sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Um artigo de D. António Marcelino

VIRTUDE INDISPENSÁVEL A QUEM SERVE Por mais que a palavra custe a ouvir e pareça ultrapassada e incómoda, esta virtude indispensável chama-se humildade. Se a humildade é a verdade, num tempo em que muito se vai construindo sobre a areia e a lama da meia verdade, quando não mesmo sobre a mentira e o mundo dos interesses, pessoais ou de grupo, a parceria indestrutível da humildade com a verdade nem é apreciada, nem querida. Todos, mas especialmente aqueles cuja vida, de modo permanente ou por um tempo, se traduz em serviço aos outros, a cada um e a todos, têm por dever cultivar a humildade, essa atitude rica que acolhe sem preconceitos, escuta com respeito, responde com serenidade, orienta com paciência, agradece com delicadeza, sorri sem fingimento, e deixa, por fim, o sabor delicioso e reconfortante do dever bem cumprido. Tudo isto é servir e servir é considerar o outro como razão de ser do nosso agir. Tudo isto é viver com horizontes abertos e largos, capazes de ajudar a vencer a tentação de confinar a sua acção à satisfação própria ou aos interesses dos amigos e conhecidos. Quem serve é um permanente aprendiz que se vai aperfeiçoando, mesmo recebendo daqueles aos quais serve. Assim vai qualificando mais o seu serviço a todos. Porém, nem todos os servidores se matricularam nesta escola. Quando impera o orgulho ou a relação se traduz por superioridade e poder, o político diz que não recebe de ninguém lições de democracia; o funcionário também não recebe lições de civismo e de educação; o jornalista entrevistador não aceita perguntas, porque se alguém se lhe contrapõe, logo diz que é entrevistador e não entrevistado; o agente da autoridade diz que é assim a lei e não há mais a explicar; o professor manda calar o aluno insistente e recorda à turma que o único que ali sabe alguma coisa é ele e mais ninguém. Até o ministro da Igreja, servidor a tempo inteiro, por vocação e missão, por vezes cansado, cai na mesma tentação e vai respondendo aos impertinentes que ripostam às exigências com considerações religiosos, que não aceita lições de Evangelho… Um mundo de gente, com esta suficiência e saber, será sempre pobre e empobrecedor. É então que ganha sentido a palavra da sabedoria popular: “Diz-me do que presumes e eu te direi o que te faz falta”. Se as relações pessoais não são mutuamente enriquecedoras, multiplicam-se as atitudes de sobranceria, despeito, juízo fácil, marginalização. E as pessoas, todas elas, ficam a valer cada vez menos aos olhos dos outros. A comunicação humilde, própria das pessoas grandes, acolhe e aproxima. A sobranceria, própria dos anões mentais, não ouve nem atende, é orgulhosa e levanta muros intransponíveis. Num clima onde escasseia a verdade, não tem lugar a humildade. Verdade e humildade são inseparáveis. O serviço respeitoso ao outro torna-se difícil, se não mesmo impossível; aumenta a cegueira pessoal e deixa de se ver hoje o que se apoiava ontem; perde-se a memória das pessoas e das coisas, e aumenta a suspeição e o espírito de concorrência. Quem ontem era indispensável, hoje é ignorado, se não mesmo detestado e incómodo; o balcão de atendimento não é mais um espaço de encontro, mas um lugar de conflito, prepotência e humilhação; na sala de aula há mais degraus de separação e distância, e tanto o ensinar como o aprender redundam em martírio diário; o espaço religioso ou sagrado deixa de ser um lugar onde todos se sentem acolhidos por igual, para se tornar espaço delimitado e mais só de alguns, não vislumbra o rosto acolhedor de um Deus que é Pai de todos e não distingue raça, língua ou cor. Quem serve não é pessoa para complicar, mas para a facilitar. Mais ainda se serve gente sem nome nem rosto, mas com dignidade a respeitar e direitos a reconhecer. É então que o serviço se torna honra e a humildade grandeza.

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