domingo, 8 de abril de 2007

Um artigo de D. António Marcelino



PÁSCOA É PASSAGEM,
MAS NÃO UMA FESTA
DE PASSAGEM


Vivemos na época do provisório em que tudo na vida aparece como descartável e transitório. Até o que é permanente, fundamental e indispensável para nós corre o risco de ser apanhado na enxurrada, se é que para muita gente não o foi já.
Não faltam propostas turísticas para passar a Páscoa longe de casa, agora com férias antecipadas e alargadas. Para estes dias, nos projectos feitos por alguns cristãos, o religioso já não tem lugar ou fica reduzido ao possível, que é normalmente muito pouco. Numa sociedade marcada pelo pluralismo laico a consonância alargada de sentimentos comuns deixou de existir, também no aspecto religioso. Tudo pode servir de ocasião para que cada cristão tome consciência do seu mundo de fé, se situe nele com uma deliberada decisão de o usufruir e possa, assim, testemunhar e propor aos que têm outros mundos, as riquezas que nele encontra e pessoalmente o enriquecem.
O mundo dos crentes tem a beleza que lhe é própria. Só o dom da fé sabe apreciá-lo, agradecê-lo em espírito de verdade e encontrar aí a luz para as suas opções e decisões.
Páscoa quer dizer “passagem”, mas passagem que perdura. A Páscoa de Cristo foi a sua passagem da morte à ressurreição. A ressurreição é, portanto, a vitória da vida sobre a morte, tornando-se, em Cristo, uma vitória definitiva. A Páscoa passou a constituir o ponto de apoio necessário e de referência indispensável à fé dos cristãos e da Igreja. Tudo para estes ganha luz e força vital com a Páscoa de Cristo e, na Igreja, só tem futuro e é gerador de graça o que parte da Páscoa e dela recebe permanente sentido.
Cada Domingo, ao longo do tempo, actualiza a Páscoa e torna-a próxima e fecunda para as comunidades cristãs e para os que a celebram a Eucaristia. A vida dos cristãos vai mostrando que quando se deixa de dar sentido ao Domingo e se abandona a celebração eucarística, se perde ou enfraquece também a fé em Jesus Cristo Salvador. Mais difícil se torna, então, resistir à influência de um ambiente de onde estão ausentes os valores evangélicos, os únicos que podem impedir uma vida rotineira e banal.
A Páscoa, na verdade, é, para todos os cristãos, a Festa, a verdadeira festa da fé e da vida, a festa que dá sentido a todas as outras festas da Igreja, mesmo aquelas que, na sua dimensão popular, celebram a fidelidade a tradições religiosas, legadas pelos que viveram antes a sua fé.
A Igreja enriquece a liturgia e a fé do povo cristão com a grande Vigília que encerra o Tríduo Pascal e a celebração festiva do Domingo, em muitas paróquias com a solene Procissão do Senhor ao cântico dos Aleluias e, onde a tradição se mantém, com a visita pascal às famílias, que recebem assim na sua própria casa o anúncio da Ressurreição, como convite a uma vida nova em Cristo. Em muitas zonas do país a festa pascal continua ainda no campo, na segunda-feira, com a celebração numa capela vizinha e uma refeição típica, alargada de familiares a amigos.
Viver a Páscoa ao longo do ano é fazer a experiência da passagem de todas as formas de morte que nos ocupam os dias que envelhecem e passam, à vida que não acaba mais.
Egoísmo, indiferença, mentira, vingança, injustiça, tudo isto é morte. A Vida que nos é dada, como dom gratuito, pela fé em Jesus Cristo ressuscitado, permite-nos transmitir aos outros, por força do mesmo amor, o testemunho de pessoa liberta, com os gestos habituais de amor e ajuda fraterna, que dão sentido ao viver do dia a dia.
As amêndoas da Páscoa são sinal de alegria pascal e apelo à partilha de dons e de paz. Também elas um sinal, chamado a tornar cada vez mais ricas e eficazes as relações mútuas, para que cheguem, em verdade, a ser relações verdadeiramente respeitosas e fraternas. Foi para esta reconciliação, com Deus e de uns para com os outros, que Jesus ressuscitou e está vivo no meio de nós. É esta a fé dos cristãos esclarecidos.

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