RIGOR E SENSIBILIDADE
1. A ordem do dia, em notícias vindas da capital do país, tem sido marcada pelas consequências de um mal que muito nos perturba e atinge a nossa própria essência de ser português. A ideia que por essa Europa (dos 15, 25 e 27) vai perpassando do nosso país é de uma sementeira de razões de laxismos, facilitismos, compadrios. O dizer-se na praça pública, com se tem dito nestes dias, que professores de algumas universidades privadas da capital eram simultaneamente deputados na Assembleia da República e exerciam a leccionação para a qual não estavam habilitados mas só porque eram “figuras” e “amigos”, dá-nos uma imagem do país que não queremos mas que infelizmente existe.
2. Mais, em debate televisivo aberto, confirmou-se o já sabido sentimento de que tantas vezes as comissões de estudo (com ou sem inquérito), as averiguações em dossier, os trabalhos de grupos convidados de especialistas…todo esse laborioso cuidado em ver, rever e propor, acaba tantas vezes por cair em saco roto não se sendo (politicamente) consequente com o estudo que se solicitou e em que todos investimos. Uma sensação de inconsequência (deixando andar) percorre muitas áreas gerando sentimentos do ir deixando para amanhã o que se pode (e deve) fazer hoje.
3. Bem se sabe que problema adiado é problema multiplicado. Sem primarismos, mas uma filosofia cultural do inadiável deveria “varrer” os maus hábitos purificando o “sistema” ideológico muitas vezes laxista. Cada instituição que implode na corrupção, cada ponte ou caminho-de-ferro que sem o rigoroso e periódico cuidado caem, cada obra pública que triplica o seu preço orçamentado, cada serviço que fecha desertificando irreversivelmente o nosso interior, fala-nos de um Portugal que se adia e perde no tempo, não agarrando cada dia uma alma e um sentido de construção social fundamentais que unam em convergência os esforços de todos.
4. Não se pense que o problema são os senhores do Estado; se esses renovam elegantemente a sua frota de automóveis ou colocam as secretárias que lhes aprouver, também o empresário português em inícios de sua visibilidade, tantas vezes, das primeiras coisas que faz é comprar o melhor carro e a melhor casa. Assim, não é a dicotomia público-privado que está no centro do problema, é a questão de uma mentalidade colectiva permissiva e que muitas vezes ainda vê com maus olhos o “rigor” e a disciplina. É também neste campo da exigência cuidadosa em que estamos depois de quase todos os países europeus.
5. “Rigor”, a partir carteira da escola, terá de ser a aprofundada palavra de ordem. Todavia, não o rigor seco, do mete-medo, do ter de fazer senão advirá punição. Este terá de ser o tempo do rigor gratificante porque explicado que é para o melhor de todos (como no bom exemplo da TAP com o Eng. Fernando Pinto). Só o rigor completo combate o laxismo e a corrupção; só a separação das águas entre a amizade e a competência fará de Portugal o país da liberdade na verdade e não, muitas vezes, um arrastar-se no vício do pensar só em si; quando vieram os primeiros fundos europeus (há 20 anos), quantos senhores, falseando as aplicações, pensaram só em si em vez de formarem e investirem de acordo com as metas a atingir (?). Foi aqui que a Irlanda e a Espanha deram o salto.
6. A cultura do rigor diário com sensibilidade terá de ser, afinal, a cultura na própria vida. Naturalmente que em Portugal fez-se muitíssimo em tão pouco tempo; mas necessariamente a pergunta se se fez bem e se se gerou uma mentalidade dinâmica e responsável em tudo obtém resposta em aberto… Será que Portugal só com a justiça é que vai lá? Será mesmo que não sabemos viver e SER a liberdade? Mal vai e pobre país é aquele em que o rigor tem de entrar à força! Se o rigor vem pela força não desce ao coração, não é acolhido na sensibilidade; desaparecendo a fiscalização tudo volta ao mesmo mal… Talvez no tesouro que é a educação, de forma transversal, seja de apostar mais e melhor na formação humana e cívica; esta será o “lugar” onde será possível gerar uma mentalidade de rigor que sabe bem, pois acolhido com sensibilidade constrói comunidade. No fundo é de (noção de) COMUNIDADE que precisamos! (Dizem os estudos sociais que apesar de solidários no SOS pensamos de forma muito individualista, ideia que se aproxima muito do “Chico esperto”…).