AMEAÇA DEMOGRÁFICA
OU INÉRCIA POLÍTICA?
Já sou do tempo em que, a torto e a direito, se proclamava que a fome no mundo tinha como causa o aumento descontrolado da natalidade e, consequentemente, da população.
As teses de Maltus e do neo-maltusianismo eram um apelo mundial que se generalizou. Era preciso contrariar o aumento da população. Só assim poderíamos sobreviver e libertar-nos de uma calamidade exterminadora e sem limites. Ainda não há muito tempo (1991), um francês iluminado, Comandante Cousteau, escrevia no Courrier de l´Unesco: “É necessário que a população mundial se estabilize e, para que tal aconteça, é necessário eliminar em cada dia 350.000 pessoas”. Aqui fica para a história um apelo louco ao genocídio que, segundo vi, não escandalizou, nem teve contraproposta.
Já na década de cinquenta, padre novo com muitos sonhos sociais, pude ler, para contrariar os maus augúrios dos sábios do tempo, que o problema demográfico só tinha uma solução e esta era política, pois a superfície do Brasil, bem aproveitada, era mais do que suficiente para esconjurar a fome do mundo inteiro. A verdade, porém, é que os políticos sempre estiveram mais interessados, a vários títulos, em medidas de extermínio e de controle, do que de promoção do bem a favor de todos e do respeito e apoio por medidas políticas a favor dos povos mais pobres e débeis e da sua cultura. Os perigos da demografia crescente era um bom fantasma para os objectivos dos países ricos, sempre sôfregos por maior riqueza.
A Índia e muitos países de Africa foram então invadidos por “multinacionais generosas” que espalharam contraceptivos em profusão, pagos por países interessados em que se fosse operando, progressivamente, o extermínio a população sob a capa de uma protecção farisaica. Interessava-lhes pouca gente, rendida à gratidão, matérias-primas a descoberto e anulação de críticas. Estava aí a vitória dos poderosos. Mais tarde foram conhecidas, neste sentido, as orientações “sábias”, mas desumanas, de Henry Kissinger, que deixaram o mundo estupefacto, mas incapaz de responder ao gigante, sempre pronto a distribuir benesses a quem dobrasse a cerviz e seguisse o preceituado.
A Europa também caiu no engodo. Em países, como Portugal, pela subserviência aos Estados Unidos da América de quem algumas instituições recebiam, via OMS, quantias consideráveis para programas de planeamento familiar, noutros pela euforia dos novos modelos e estilos de vida, contrários ao aumento da natalidade e abertos ao gozo e ao consumo sem restrições. A verdade é chegou a bater no fundo. Horrorizada, depois, pela ameaça dos turcos e dos muçulmanos de Africa, famílias com média de seis e sete filhos, e pela incapacidade de repor os estragos da quebra de natalidade, acordou e começou a arrepiar caminho. O que antes recusara, acabou por se lhe impor.
Hoje vários países europeus têm políticas concretas de estímulo à natalidade. Todos lemos o que se passa na Alemanha a partir de 1 de Janeiro. Entre nós, como sempre, vamos atrasados, meio anestesiados e sem medidas políticas objectivas e estimulantes. Se vierem e forem acertadas, ainda demorarão décadas a fazer sentir os seus resultados.
Entretanto, numa atitude habitual de quem faz uma gestão mais por imediatos que por objectivos, mais por emoções que por razões com fundamento, dá-se protecção ao aborto, mal embrulhado em frases publicitárias bem gastas. Assim, já ninguém duvida, o aborto acabará por se tornar, a pouco e pouco, em mais um método contraceptivo. Nada se vê, antes pelo contrário, que estimule a natalidade, entre nós pelas ruas da amargura., com índices de reposição demográfica dos mais baixos da Europa.
Ficamos todos esclarecidos quando ouvimos o chefe do governo e do partido da maioria a recomendar aos seus que não perdessem tempo com os aspectos científicos do aborto, mas o gastassem preocupados em vender bem a ideia da despenalização…
O problema continua a ser político. Temos de nos interrogar, porém, sobre qual o sentido de uma política demográfica que tenha em vista, com preocupações éticas, as pessoas e as causas porque lutam, o bem comum e o futuro da comunidade nacional.