quarta-feira, 18 de outubro de 2006

UM ARTIGO DE LAURINDA ALVES

O VERBO PERMANECER
É difícil permanecer livre perante nós mesmos e perante os outros. Aliás, o verbo permanecer é um dos mais árduos de conjugar. Permanecer livre, perma-necer fiel, permanecer atento ou permanecer firme numa decisão, são atitudes extraordinariamente exigentes e, daí, a importância do olhar dos outros. Permanecer no amor é, porventura, o maior desafio de todos, mas é, também, o que nos leva mais longe. Falo do amor no sentido total e não apenas do amor romântico, embora este desperte em nós sentimentos mais imediatos e urgentes, por assim dizer. E também falo do amor, porque o tema desta semana mostra claramente que tudo começa e acaba no amor. No capítulo do amor, vale a pena escrever só mais umas linhas para lembrar que, se nos amarmos mal a nós próprios, também não seremos capazes de amar bem os outros. Importa, por isso, determo-nos na qualidade do amor que trazemos em nós e focar melhor o olhar. Para dentro e para fora, quero dizer. Ver com olhos de ver implica desistir de nos procurarmos onde não estamos e de nos vermos como não somos. Complicado? Talvez nem tanto. Purificar a imagem que temos de nós próprios e dos que estão à nossa volta passa por limpar o olhar e isto só é possível com distância crítica e liberdade interior. O facto de termos tantas vezes um olhar distorcido sobre a realidade faz com que se multipliquem os equívocos. Como é dos equívocos que nasce muita intolerância, é grave persistir no erro de não tentar perceber o que mais nos distorce o olhar. Falo do que nos condiciona, de tudo o que limita e, em especial, das ideias pré-concebidas. Ter preconceitos é, porventura, a pior armadilha de todas. Olhar para nós, pegar naquilo que somos, tantas vezes caóticos e contraditórios e sermos capazes de assumir os nossos conflitos mais íntimos, tentando sair deles da maneira mais certa é um acto de grande coragem. A tentação comum, no entanto, é “passar ao lado” ou fingir que não temos todos estes dilemas interiores. O pior é que, sempre que olhamos para nós de maneira errada, também erramos mais em relação aos outros. E ficamos com menos margem de liberdade.
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Fonte: Correio do Vouga

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