sexta-feira, 29 de setembro de 2006

Um artigo de D. António Marcelino

DEBATE CIENTÍFICO,
POLÍTICO E ÉTICO
A investigação científica, sem a qual, em muitos campos da vida social, não haverá progresso, vem correndo o risco de um fascínio estonteante pelos resultados, de um êxito a qualquer preço, sem prestar atenção aos meios usados, para os quais há, por vezes, balizas éticas que não se podem menosprezar. Igual fascínio e ânsia de sucesso atinge os poderes políticos, na ânsia de tirar proveito dos resultados obtidos pelos seus cientistas e dos encargos assumidos nos respectivos projectos. A Igreja, quando tem pela frente gente para a qual o verdadeiro humanismo pouco significa ou dele tem apenas uma concepção limitada em relação à pessoa humana, sua dignidade e direitos inalienáveis, aparece como “inimiga da ciência e do progresso em virtude da sua intervenção e cuidado, ao levantar problemas éticos, mormente quando se trata de alguns campos de investigação. Não visa motivos religiosos O empenhar-se nesta batalha não tem objectivos religiosos mas somente a defesa daquele que é para si o valor humano supremo: a pessoa, cada pessoa, de qualquer da raça, cor, língua, credo religioso ou político. No Congresso Internacional sobre Células Estaminais, um tema que entre nós se tratou quase às escondidas e com atropelos lamentáveis, o Papa encorajou a pesquisa cientifica em células estaminais adultas. Assim se respeita a vida e se abrem caminhos auspiciosos na procura de remédio para doenças até aqui consideradas incuráveis. Não é demais insistir que o verdadeiro debate científico e político, em matéria tão delicada, tem de ser também um debate ético. O maior bem do homem não permite olhar somente para resultados universalmente válidos, mas obriga a ter em conta os meios usados para os alcançar. Um fim bom não pode justificar meios que, por si, não o são, ao contrário do que muitos propugnam e praticam. A ciência goza de autonomia legítima, mas não é em si mesma um valor absoluto. Repetimos até à saciedade esta nossa convicção. Há sempre gente honesta disposta a não calar a consciência. A desconsideração crescente da pessoa humana em favor de interesses variados é hoje, em muitos sectores da sociedade, uma realidade que não se consegue ocultar. Pessoa e bem comum cederam por vezes, escandalosamente, o seu lugar, por via das arbitrariedades de muitos detentores do poder e do saber, a projectos passageiros, porventura vistosos, mas inconsistentes e garantias futuras. Sempre que não se aceitam nem se respeitam princípios éticos e postulados morais sãos, dá-se mais um passo para a degradação que se vai generalizando. Respeitá-los é contribuir para a humanização das pessoas e das comunidades, tornar o mundo um espaço sereno e ditoso, onde a vida se pode viver com limitações normais e esforços não dispensáveis, mas também com alegria e esperança. A política do facto consumado, seja a que nível for, é desrespeitadora das pessoas, dos seus direitos e do seu contributo para um bem maior. Só interessa a quem olha apenas para si e para os seus interesses. Quem não se abre a uma participação alargada dos implicados, directa ou indirectamente, nos processos que lhe dizem respeito, seja uma participação pessoal, seja do alargamento dos conceitos em causa, prejudica sempre a comunidade humana, ou seja, o Estado, a família, a comunidade e os grupos, o partido político, as instituições mais diversas. Surge assim, para quem o quiser ou for capaz de o entender, a exigência ética a iluminar e abrir caminhos. Não há que ter medo. No meio dos muitos desencontros, políticos, religiosos, sociais, há sempre um mínimo ético possível, que pode ajudar a caminhar juntos e a ir sempre mais longe, do que o poderá fazer quem quer caminha sozinho, fazendo, quiçá, dos outros apenas o trampolim para os seus fins.

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