terça-feira, 5 de setembro de 2006

Um artigo de António Rego

Zangados com a vida
Nunca será demais procurarmos o ponto de equilíbrio entre a esperança - mesmo que se assemelhe a utopia - e a crueza aparente da realidade. Ou, se olharmos com serenidade, anotarmos o que temos e o que nos falta, o que somos e o que deveríamos ser, o feito e o por fazer. Muitos desabafos sobre o mundo, sobre os outros, sobre nós próprios, vêm de respiradores de outras condutas do nossos ser que são sopradas ora pela ilusão momentânea, ora pelo azedume com que encaramos a nossa vida e a dos outros. Atropelam-se as razões de queixa à nossa volta e parece que quanto mais próximas mais dilatadas pelo desencanto, para não falar dum complexo de pequenez que, dizendo no plural e incluindo-nos no verbo, sempre pretende deixar de fora os parapentes que sobrevoam, olham, e nada transformam da realidade. Há factos que propiciam este clamor colectivo eufórico ou depressivo em espaços muito curtos e cíclicos. Muitos apontam a causa: as janelas abertas e envidraçadas da comunicação que se tornam rapidamente responsáveis pela propagação das desgraças e benesses que caem sobre o povo. E cada dia tem a dimensão do dia do fim do mundo ou do arraial ébrio com vapores de dissipação rápida. Onde o ponto de equilíbrio e rotura neste barco multimilenar em que todos somos remadores e todos fazemos ondas? Vamos ser honestos: o mundo mudou e não para pior. Os amargurados que tudo consideram perdido com o dogma de "no meu tempo não era assim", como lembram a escravatura, o desprezo legal pelos pobres, a exploração silenciada dos trabalhadores, a fé envolta em medo, as crianças com trabalho obrigatório, a ciência e o desenvolvimento olhados como obra do diabo? Onde está a memória histórica e não muito distante do quanto não éramos e do muito que ganhámos em dimensão de vida, de cultura e fé? Mesmo no nosso país, porquê desprezar o caminho que se já percorreu, apenas pela verbosidade sensual da crítica corrosiva a todas as coisas? Criticar é preciso e sempre fez falta. Mas o farisaísmo maldizente a nada conduz, ou melhor, diverte e realiza quem o faz, por não saber fazer outra coisa.

2 comentários:

  1. Todos nós nos queixamos da nossa vida. Ai, se a minha vida fosse como a daquele. Seria um sonho. Muitos há que têm essa vida de sonho sem nada terem feito por ela. Outros mais, porém, têm o que têm fruto de muito trabalho e dedicação. E nem sempre a poder contar com vitórias e facilitismos pelo caminho. Também eu me incluo, por vezes, naqueles que agora critico. O importante é que cada um de nós seja capaz de olhar para si, não como o centro, mas como um meio para se pôr ao serviço dos outros. Há mais alegria em dar do que em receber. Só experimentando dar, genuinamente de desinteressada, é possível perceber o quanto esta expressão é verdadeira. Se olhramos à nossa volta, quão facilmente veremos que somos pessoas cheias de sorte. E essa sorte que Deus nos deu, com a sua ajuda e o nosso trabalho, pode e deve ser posta ao serviço de quem mais precisa da nossa ajuda.
    Fica o desafio: sejamos capazes de nos esqueçer de nós e darmo-nos aos outros. E para ajudar, não é necessário ir para África ou para um qualquer outro país de qualquer outro continente. Basta que façamos o bem a quem está do nosso lado. Aí, a vida passa a fazer todo o sentido. E deixamos de olhar para os outros com um sentimento miudinho de inveja.

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  2. Meu caro anónimo

    Gostei muito do seu comentário. Acho que foi oportuno. Até penso que muitos outros concordarão. Só tenho pena que o meu amigo (ou amiga) não tenha assinado o que escreveu.Ou foi um simples lapso?
    De qualquer modo, gostaria que se identificasse.
    Olhe que tudo o que disse passaria a ter muito mais valor.
    Quer dizer-me quem é?
    Sempre ao dispor

    Fernando Martins

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