Diálogo de surdos?
1. Não é fácil chegarmos ao entendimento dialogante quando os canais de recepção têm meias leituras sensacionalistas ou análises ideológicas de quem vê o outro não como irmão mas com distância desconfiada. O “caso” do belíssimo e profundo discurso “racional” de Bento XVI sobre questões que em leitura descontextualizada incendeiam a “emoção colectiva” menos atenta e pouco cuidadosa em “ler o conteúdo com olhos de ler” diz-nos que no chamado diálogo inter-religioso há muito a aprender. Será caso para dizer que nem todas as razões a “razão” conhece, e quando a inesperada reacção acontece é sinal de que as ondas de sintonia andam muito desencontradas.
Afinal, como dialogar? Haverá lugar no “diálogo” para as verdades fundamentais? Será possível chegar aos consensos que estimulem positivamente as emoções colectivas que tantas vezes carecem da dose “qb” de “razão”? É possível, da parte da chamada teologia ocidental, escolher outras citações menos delicadas? Afinal, onde param, mais uma vez, as facções do Islão que poderiam por água na fervura dando o verdadeiro sentido ao texto e apaziguando os ânimos? No fundo, qual o lugar da “razão” no diálogo? Será possível o diálogo inter-religioso sem dizermos que “Deus não tem nada a ver com a guerra nem, quer nada com a guerra”? Ou no “diálogo” haverá lugar só para meias verdades que vão entretendo?...
Das tantas análises, sob os diversos prismas que no fundo de tudo vão ao encontro da relação entre o ocidente e o mundo islâmico, foi de apreciar os testemunhos insuspeitos de líderes de outras religiões ou personalidades que se consideram indiferentes ao fenómeno religioso, que manifestaram apreço objectivo pela profundidade do discurso académico de Bento XVI sobre as relações entre “Fé, Razão e Universidade; Memórias e Reflexões”; para alguns, que leram todo o texto e só depois fizeram comentário, foi mesmo novidade bem estimulante toda a fundamentação filosófica e teológica do discurso que, na fronteira, procura despertar os horizontes da inteligência humana. Assim, o primeiro passo, princípio de honestidade intelectual, será sempre o ler todo o texto e só depois se pronunciar sobre ele; não um alinhar em meias leituras com slogans sensacionalistas, como acaba por denunciar o próprio director do Público, José Manuel Fernandes, referindo-se ao mau jornalismo que contribuiu para a confusão.
2. Em verdade, o que disse Bento XVI? Mesmo dos meios menos simpáticos para com o Papa alemão vai-se notando uma admiração na coragem que ele tem em, num espírito de pluralismo cultural, chamar os nomes às “coisas”. Não se pense que ele terá dito algo de novo, de modo algum; o que ele disse uma boa parte da população do mundo o diz: “agir de modo irracional é contrário à natureza de Deus” pois é diminuição de humanidade; ou seja, sem qualquer apologia ‘caseira’ mas em discurso aberto a questões universais, sublinha que a Fé deverá conter dose “qb” de razão, tem estrutura, pensamento, razoabilidade…e mal vai quando a emoção sem razão cresce a ponto da convicção não ser pensada; este, sem o bom senso, é o salto para o fanatismo...
Não é novidade este apelo que afinal corresponde ao espírito da dignidade e dos direitos humanos; já em Agosto de 2005, na sua viagem a Colónia (Alemanha), Bento XVI confrontou os representantes islâmicos com o fenómeno do terrorismo, afirmando que "os programadores dos atentados demonstram que desejam envenenar os nossos relacionamentos e destruir a confiança, servindo-se de todos os meios, até mesmo da religião, para se oporem a todos os esforços de convivência pacífica e tranquila". Porque nesta altura não existiram manifestações?... Separando as águas, seja Papa conservador ou progressista, seja líder desta ou daquela religião ou de filosofia social ou política, seja trabalhador em fábrica, professor, aluno ou “cidadão” comum que cada dia faz o melhor que está ao seu alcance, seja mesmo indiferente (ainda) às questões de um sentido para a vida, sempre que “alguém” disser que a “guerra santa” é um mal objectivo e que a religião nunca deve ser confundida com a violência, aí estamos mais próximos da “verdade” absoluta de que “Deus é amor”.
3. No meio de tudo isto, é certo que poderão existir outras citações sobre pensadores passados menos sensíveis, certamente. Mas o fundamental de tudo será que para haver “diálogo inter-religioso”, de facto, a “verdade” objectiva da rejeição da violência, do fundamentalismo e do mal terá de ser um ponto de convergência de todos. E mais: talvez tenha chegado o tempo do Islão puro, moderado, ter “palavra” forte de moderação e bom senso nas seitas extremistas islâmicas… Onde estão os moderados no papel de moderadores? É essencial! Ou terão, eles próprios, medo de ser acusados de “ocidentalizados” e por isso preferem calar-se deixando andar?
Já em outros escritos sublinhámos que, infelizmente, fanatismo existe em imensos lados e instituições, e não só no âmbito religioso; fanático e fundamentalista será o que não atingiu a maturidade do “diálogo” que complementa e enriquece a todos. O discurso de Bento XVI talvez tenha sido também “uma verdade inconveniente” e delicada mas, no fim de tudo, pode apresentar-se como um programa para “aprendermos mais a dialogar” (sem guerrear). Seria uma urgência histórica, continuando a apurar as “condições do diálogo” pois não é possível dialogar com “armas” ou desconfianças!...
Talvez este seja o novo muro de Berlim que caberá ao Papa entreabrir pela estrada da “razão”… A-ver-vamos (ou não), assim seria tão importante no mundo globalizado! É verdade que diálogo à força é impensável, seria de surdos; mas que bom seria que todas as forças humanas se colocassem em fecundo diálogo para melhor nos conhecermos e mais futuro projectarmos!...