terça-feira, 29 de agosto de 2006

Um artigo de António Rego

Confissões
O que restará de tudo isto? Rolados séculos e milénios sobre as coisas de aspecto imperecível, o que fica da vaga dos tempos e das fúrias dos ventos? Modos e modas, escolas, estilos, épocas, tudo roda e se muda. Muitas imagens e factos do passado, sabem a absurdo ou ridículo. O jovem sorri da sua imagem em criança. Todos os passados têm um sabor a afecto e repulsa, porque nenhum tempo regressa à realidade no seu tom certo. O sépia dos anos cria luzes e neblinas de tal forma que nada é repetível na sua realidade perfeita. A que vem tudo isto? A este tempo e a todos os tempos que rodam e deixam rastos, caminhos abertos de luz com o seu aspecto de evidência e obscuridade. A face real e simbólica de todas as coisas como que se revolve no nosso jogo quotidiano de referência ao todo, no espaço e temporalidade que nos cabe viver. Felizes as gerações que se revêem em espelhos e modelos, com protótipos que mereçam registo de memória e impulso para acreditar no passado e no futuro.
Por isso as sendas luminosas que nos precedem de sábios, artistas, místicos e profetas, nos abrem caminhos para o que temos a criar e percorrer. Como poderia a humanidade sobreviver sem essas referências nos campo do pensamento, da ciência, do belo, e nessa arte indescritível de se relançar no imperecível, infinito e eterno que dá sentido a todo o transitório e efémero?
S. Agostinho, ainda no início do cristianismo soube expressar quase todas as perguntas que há no coração do ser humano, dando consistência e sentido à edificação do tempo e do templo que constitui cada ser humano. É bom, numa época de aspecto fútil e imediatista, repousar o coração onde o convertido de Tagaste encontrou repouso:”Tarde Vos amei, ó beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei! Vós estáveis dentro de mim, mas eu estava fora, e fora de mim vos procurava…Estáveis comigo e eu não estava convosco. Retinha-me longe de Vós aquilo que não existiria se não existisse em Vós…Tocastes-me e agora desejo ardentemente a vossa paz”.(Das Confissões de S. Agostinho, Lib. 7)

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