Um desejo:
que o tema dos direitos dos deficientes não fique apenas na agenda da Primeira Dama. Há uma magistratura de influência por cumprir
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Muitas coisas separam Portugal de Inglaterra. Uma é evidente: a forma como os deficientes se integram na sociedade. Algo que põe à prova, mais do que o sentido de justiça social, o valor da cidadania de um país. Em Oxford, não se sente o ostracismo relativamente aos deficientes que há em Portugal. Apercebemo-nos disto um pouco por toda a parte: das universidades aos teatros, das discotecas aos ginásios. E, claro, na rua, onde reaprendemos a olhar o deficiente como um cidadão igual aos outros. Sem qualquer reacção especial. Sem a escolha angustiante entre olhar e não olhar. A ”normalidade” no tracto social é um dado adquirido. O exemplo maior? Enquanto o português discute o politicamente correcto da denominação ”pessoa com deficiência” face a ”deficiente”, os ingleses têm, na famosa série ”Little Britain”, um personagem que anda de cadeira de rodas sem precisar dela, divertindo-se à custa do amigo. Já dizia Pessoa que um dos traços distintivos entre os homens é a qualidade da ironia, marca superior da civilidade.
O sentido de justiça para com os deficientes diz muito do país que somos. Sobretudo em relação aos que não têm qualquer responsabilidade pela deficiência que possuem. Em Portugal, existe uma miríade de leis por cumprir. Na Inglaterra, não. Os edifícios têm acessos adequados e os passeios estão rebaixados. As universidades garantem igualdade de oportunidades no acesso, na frequência e na avaliação dos estudantes. É comum vermos cadeiras de rodas mecanizadas e cães-guia pela cidade. Um cão-guia custa três anos de treino e cerca de 20 mil euros. As cadeiras não serão baratas. A diferença nos níveis de vida é real, mas acaba por ser uma questão menor: o importante é a igualdade de oportunidades na sociedade em que se vive.
Na política portuguesa há pouco interesse no tema, não obstante a minoria silenciosa de 500 mil portugueses com algum tipo de deficiência poder mudar uma eleição. Três razões ajudam a perceber o porquê disso. Primeira: a inveja, pouco convidativa a olharmos para aqueles que têm menos ”projecção social” do que nós. Segunda: uma débil consciência cívica, favorável à continuação do estado das coisas. Terceira: a dependência do Estado, uma forma de alívio rápido para as consciências de muitos. A Inglaterra notabiliza-se também aqui, por ter visto crescer, a par da liberdade, um forte espírito de comunidade, onde a participação do cidadão no espaço público é uma imagem de marca. E onde os ‘lobbies’ têm um papel natural, havendo alguns que lutam pelos direitos dos deficientes, algo pouco visto em Portugal. O que nos leva - no contexto da tomada de posse do novo Presidente da República - a juntar ao desejo de ”boa sorte”, este outro: que o tema dos direitos dos deficientes não fique apenas na agenda da Primeira Dama. Há uma magistratura de influência por cumprir.
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Publicado no Diário Económico, a 8 de Março de 2006