Homenagem ao poeta António Aleixo
Um pouco de história
A primeira impressão que o paciente regista, quando chega ao Hospital dos Covões, diz-lhe que o edifício é antigo, com traços notoriamente diferentes dos actuais Hospitais. Mas se olhar à volta, logo vê que há pavilhões novos e funcionais. Os corredores da parte mais antiga são suficientemente largos para que tudo e todos circulem sem atropelos, mas nota-se, em certas zonas, algumas correntes de ar que incomodam. Não vi isso, porém, nos novos espaços que dão enquadramento a inúmeras especialidades médicas e serviços de apoio. De qualquer forma, a parte antiga mostra sinais de arte, com pinturas e outras decorações com marcas de antiguidade, que lhe emprestam um aspecto diferente e muito bonito.
Nasceu de um projecto iniciado em 1918, mas só concluído em 1930, projecto esse que foi baptizado com o nome Escola Pró-Pátria. A iniciativa foi da Colónia Portuguesa do Brasil, ao tempo muito generosa, tendo espalhado por todo o País Escolas, Hospitais e outros edifícios de assistência e cultura. Aquela Escola destinava-se a recolher e educar os órfãos dos soldados mortos na Iª Grande Guerra, tendo a intenção de permanecer como um Asilo-Escola, espécie de "... laboratório onde a educação transformará através dos tempos as crianças pobres em trabalhadores modelo, em cidadãos exemplares", como se lê no seu historial.
Entretanto, a 5 de Fevereiro de 1931 é publicado o Decreto 19 310 em que a Assistência da Colónia Portuguesa do Brasil faz doação do seu património ao Governo Português, transformando a Escola Pró-Pátria em Sanatório Anti-tuberculoso, para indivíduos do sexo masculino. Quem entra, se olhar à esquerda, vê no jardim fronteiro um monumento simples, com uma quadra do poeta popular António Aleixo, e do lado direito um busto do médico e filantropo Bissaya Barreto, a quem Coimbra e Portugal muito devem, tal a força das causas por que lutava e os projectos em que se empenhou. Porquê a homenagem ao poeta António Aleixo?
António Aleixo nasceu em 18 de Fevereiro de 1899, em Vila Real de Santo António, e em 28 de Junho de 1943, após a morte da filha, devido a tuberculose, é internado no Hospital-Sanatório dos Covões, por sofrer da mesma doença. A sua passagem por aquele estabelecimento de saúde foi recordada com uma homenagem do Centro Hospitalar de Coimbra, em 29 de Julho de 1978, como reza a lápide. E com justiça, diga-se de passagem, porque nem sempre as pessoas simples, embora de grandes méritos, são lembradas pelas entidades oficiais e mesmo particulares. Aqui, o nosso maior poeta popular não foi esquecido.
O homem, com a simples terceira classe, que escrevia com alguns erros ortográficos, de cultura académica elementaríssima, possuía o dom de ser poeta. Foi cauteleiro e guardador de rebanhos, cantava de feira e feira e deliciava quantos o ouviam pela naturalidade com que rimava quadras carregadas de sabedoria. No monumento, modesto mas significativo, ficou registada, para quem passa, uma quadra singular, que não deixa de ser uma censura dirigida a muito boa gente dos nossos dias.
Diz assim:
Quem trabalha e mata a fome
Não come o pão de ninguém
Quem não ganha o pão que come
Come sempre o pão de alguém
Se for ao Hospital dos Covões, leia esta quadra. Se o fizer, estará a prestar, de modo muito simples, uma homenagem ao nosso maior poeta popular.
Fernando Martins
NB: Para conhecer um pouco mais António Aleixo, pode ler “Este livro que vos deixo…”