quarta-feira, 11 de janeiro de 2006

Um artigo de António Rego

A coragem da mudança
Onde está afinal o problema? Na igualdade ou na diferença, na diversidade ou no unanimismo, no global ou no parcial?
Podemos, com ligeiros jogos de palavras, arranjar justificações para uma afirmação e para o seu quase oposto. E isso não é uma doença das mentes modernas. É o resultado da complexidade objectiva de todas as coisas que se não abarcam, num momento apenas, em todos os seus ângulos.
Mas o melhor é concretizar um pouco, apesar do risco do simplismo na redução para generalizar cada situação, ou no afunilamento dum todo amplo em fragmento pragmático. Andamos um pouco estonteados pelas rajadas de palavras de mais uma campanha eleitoral. E tanto nos cansamos para descobrir semelhanças como diferenças. A tentação mais imediata seria não haver debates, nem entrevistas, nem comícios, nem a fastidiosa repetição de perguntas e respostas de jornalistas e candidatos, que fogem ao pavor da saturação e do nada de novo para dizer. E se tivéssemos apenas um só, imposto de cima, sem saber quem impõe? E se, para sossego dos cidadãos, se reprimisse o direito à diferença, expressão, à escuta, à festa, à manifestação, ao passeio pelo bairro, ao desabafo directo, ainda que primário? E se se negasse o direito à recusa, à indiferença, ao voto em branco ou à abstenção?
Deixemos por momentos a política e entremos no terreno religioso, em vésperas da celebração pela unidade dos cristãos. Que questões nos colocam as profundas e insignificantes diferenças religiosas que hoje existem com visibilidade na praça pública? Entre nós, mesmo com as distinções de praticantes ou talvez não, cerca de 90 por cento dos portugueses se afirmam católicos quando a estatística os aborda a frio e pergunta que religião professam… Estamos em bom tempo de questionar: que há, nas diferenças, de divisão? Que há, no igual, de doutrina, harmonia, património, tradição, psicológico, circunstancial, teológico?
As divisões que hoje existem, entre cristãos, são fruto, em última análise, de quê? De opções teológicas, medidas disciplinares, desvios históricos, medos de mudança, fidelidade às tradições, clubismo irrenunciável?
Quando entramos nesta intrincada floresta de razões percebemos melhor que defender a diferença nem sempre é defender a fé. Como nem sempre da fé brotam alguns conceitos de unidade. Os novelos doutrinais e emocionais, são mais complexos do que parecem. Por isso, na oração pela unidade dos crentes nunca se pode deixar de pedir a Deus a coragem da mudança.
Muitas das divisões históricas não passam de fantasmas, edificados em castelos artificiais por decisões que depois se fizeram dogmáticas. Com muitas igrejas surgidas do nada, o mesmo é dizer, de birras religiosamente institucionalizadas.

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