Há que limpar as escolas dos perturbadores crucifixos, clama uma obscura associação e, por reflexo, emite uma circular o Ministério da Educação!O país acorda, estremunhado, com tal anúncio revelador de "atraso" e de "antimodernidade", em pleno século XXI! Perante este dito problema, que importa tudo o resto neste Portugal feliz e encantado! Ora aí está o mais decisivo problema da escola em Portugal a cruz! O resto é adjectivo.
A reforma educativa prossegue. Outros símbolos e outras manifestações da dita modernidade até podem ser subsidiados. E os pais vão dormir descansados: vai deixar de haver crucifixos em algumas escolas...
2. É recorrente nestas alturas falar-se da separação compulsiva entre o Estado e a Igreja
A receita para tal intervenção é a habitual o Estado é constitucionalmente laico. No sentido cru e árido da interpretação jurídica até pode ser que possam esgrimir com esta razão estritamente formal e legalista. Porém, a esta nova investida de raiz jacobina subjazem várias falácias.
A primeira é a de que a neutralidade religiosa torna obrigatório um Estado que transforma a laicidade pura e dura numa nova forma de religião. Como há poucos anos a Conferência Episcopal Portuguesa reafirmou em Carta Pastoral, a louvável e imperativa neutralidade religiosa do Estado não pode, porém, transformar este num Estado anti-religião, um Estado confessional de sinal contrário. Um Estado laico, não confessional não é necessariamente um Estado ateu que faz da laicidade uma espécie de nova religião do Estado.
A segunda é a confusão propositada e enviesada entre Estado e sociedade, no sentido de que a laicidade do Estado tem que implicar a laicidade da sociedade. A separabilidade entre Estado e religião (curiosamente uma ideia que só se concretizou com o cristianismo) não tem que significar necessariamente neutralidade obsessiva, seja por hostilidade activa, omissão, indiferença, abstenção, ignorância, desrespeito ou desconhecimento dos fenómenos religiosos.
A liberdade religiosa não se limita ao plano do direito individual na esfera privada intimista, introspectiva. Exprime-se também como direito social, colectivo, comunitário. É uma liberdade de consciência individual, em primeiro lugar, sem deixar também de corporizar uma liberdade colectiva de expressão, de comunicação, de associação, de reunião. Uma liberdade, porém, que nada impõe aos que não professam a mesma fé.
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