Regresso de férias trazendo na bagagem a memória de um livro apaixonante, O Mundo de Ontem - recordações de um europeu (edição 2005, Assírio & Alvim). Foi a primeira vez que li Stefan Zweig, apesar de o nome me ser familiar, desde a infância, na velha biblioteca do meu pai, em capas de gosto duvidoso e traduções incipientes que logo me desencorajaram. Zweig tinha a fama de ser um escritor "menor" - que o próprio, aliás, assumia - embora fosse o autor de língua alemã mais lido e traduzido no mundo inteiro nos anos 30 e 40 do século XX. Em todo o caso, o seu destino cruzou-se com algumas das figuras maiores do tempo, de Freud a Romain Rolland, passando por Gorki, Joyce, Rilke ou Valéry. Um destino trágico de judeu austríaco, apátrida e exilado, que terminaria em 1942 com o seu suicídio no Brasil, pouco depois de ter concluído estas memórias.
O Mundo de Ontem faz-nos viajar numa cavalgada alucinante, desde a alvorada do século e o esplendor de Viena a que se seguem épocas de cataclismos devastadores, entre a primeira Grande Guerra e a segunda, tendo pelo meio as terríveis crises austríaca, alemã e europeia e o início da barbárie nazi. É um testemunho de sonhos sucessivamente devastados pela imprevidência e a demência dos homens e que se foram transformando em pesadelos de puro horror.
Tempos e mundos passados? Sim, decerto. Mas tempos e mundos que ainda hoje nos interpelam com uma veemência dolorosa, como se tivessem deixado uma ferida aberta que tarda em cicatrizar. Espírito cosmopolita, sonhador incansável de uma Europa sem fronteiras, Zweig antecipou a visão e a consciência de um mundo globalizado. Este mundo futuro, exposto a novas catástrofes, guerras e ameaças, tantas vezes incapaz de aprender com o passado e correndo de olhos vendados para outras fatalidades. Li O Mundo de Ontem enquanto as imagens do Katrina desfilavam na televisão.