segunda-feira, 15 de agosto de 2005

Um artigo de João César das Neves, no DN

Posted by Picasa UM TEMPO SALVO POR UMA MULHER O nosso tempo só admira e cultiva o paganismo porque não faz a menor ideia do que ele fosse, conhecendo apenas as modernas imagens parolas
Neste tempo paradoxal acontecem as coisas mais aberrantes. Por exemplo, pode surgir um interesse avassalador por uma personagem histórica de que pouco se sabe e que nunca teve responsabilidades políticas ou sociais. Nos triunfantes meios gnósticos, alimentados por literatura fantástica e pseudociência, tem florescido uma grande investigação à volta da figura de Santa Maria Madalena.
Claro que ela o merece, sendo uma das maiores santas da História. Mas esse movimento, com ligações ao feminismo radical, baseia-se na tese de que a Igreja Católica sempre foi chauvinista e machista, quando no paganismo a mulher era tratada com respeito. Esta afirmação é um evidente disparate histórico.
O nosso tempo só admira e cultiva o paganismo porque não faz a menor ideia do que ele fosse, conhecendo apenas as modernas imagens parolas. É horrível viver a vida com a omnipresença de deuses, espíritos e demónios, que dominam todos os elementos e se tornam vingativos se não forem alimentados por libações. Os antigos sentiam permanentemente a opressão sobrenatural de um mundo invisível, cruel, interesseiro e mesquinho, a quem se sacrificavam rebanhos, colheitas e, por vezes, filhos. A prostituição sagrada, bacanais e ritos sexuais, de que hoje se fala como de filmes eróticos, eram infames explorações da mulher.
De tudo isto nos libertou Jesus Cristo. Ele não só falou livre e amavelmente com todos, prostitutas, adúlteras e samaritanas, mas acima de tudo falou de Seu Pai, o único Deus, o Deus que é bom e próximo e ama sobretudo os pobres. Assim desapareceu o terror pânico da mitologia. Foi o cristianismo que criou os fundamentos dos direitos humanos, da igualdade entre todas as pessoas, da libertação da mulher. Os autores que depois os formularam mais não fizeram do que repetir o que os Padres da Igreja tinham ensinado. Alguns, poucos, reconhecem-no, como Lord Acton e Friedrich Hayek identificando S. Tomás de Aquino como o primeiro liberal (whig).
Entretanto, uma versão revisionista da História esforça-se por representar as eras cristãs como séculos de obscurantismo e barbárie, extrapolando para o todo de alguns casos aberrantes. Nem reparam que, para isso, teria sido preciso que todos os cristãos tivessem feito continuamente o oposto do que o "doce rabi da Palestina" ensinou e eles mesmos sempre pregaram. Nem notam que, se fosse assim, nunca teriam surgido Santa Joana d'Arc, Santa Catarina de Sena. Santa Brígida e tantas outras.
O mais aberrante é que o apelo à grande Santa Maria Madalena como figura feminina esquece que os cristãos sempre veneraram uma mulher com mais amor do que qualquer culto pagão Maria, mãe de Jesus. Esquecem que o cristianismo é a única religião que afirma que é uma mulher o ser mais próximo de Deus, acima dos anjos e dos santos. Mas, se lhes lembrarmos isso, eles respondem ela não conta porque era virgem. Assim se vê o busílis da questão.
O que interessa ao culto actual de Madalena é directamente a cópula. Nossa Senhora é mulher, esposa, mãe. Tem todos os elementos femininos, mas é virgem. Isso mostra como vivemos num tempo obcecado pelo aspecto sexual no seu sentido mais venéreo. Sem o coito uma mulher não é mulher.
Ao longo dos séculos, cada época viu Cristo e Maria à sua maneira. Ele foi o Bom Pastor nas catacumbas e o rei universal (Pantocrator) debaixo das invasões bárbaras. Ela foi a Estrela do Mar para os navegantes e a Senhora das Dores nas guerras da Reforma. Foi preciso chegar à boçalidade contemporânea para Ele ser visto como um filósofo oculto e a ela procurarem ocultá-la.
Hoje, 15 de Agosto, é festa da Assunção de Nossa Senhora. Proclamado por Pio XII em 1950, este é o quarto dogma mariano da história da Igreja, depois da Maternidade de Deus no concílio de Éfeso em 431, da Virgindade Perpétua em 649 e da Imaculada Conceição de 1854. O nosso tempo paradoxal é também aquele que formalizou solenemente metade das certezas sublimes que a Igreja sempre teve acerca de Nossa Senhora. É ela a nossa esperança.

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