domingo, 24 de julho de 2005

Um artigo de Helena Sacadura Cabral, no DN

Três questões essenciais
Um jovem de grande lucidez dizia-me, há dias, a sorrir, que uma parte da cura da sua depressão se ficara a dever ao facto de ter deixado de ler jornais nacionais e de assistir aos telejornais. Recomendação que, aliás, lhe fora feita pelo médico assistente.
No último fim-de-semana, ao ler os periódicos ditos de referência, não pude deixar de me lembrar desta conversa, a propósito de três temas neles abordados. Um respeitava à percentagem assustadora de reprovações a Português e Matemática. O outro referia-se à "possibilidade", in extremis, de um colapso da União Económica e Monetária (UEM), admitida pelo HSBC - o segundo banco a nível mundial -, caso não sejam feitas reformas económicas e institucionais que "melhorem drasticamente" o funcionamento da moeda única. Finalmente, o terceiro abordava o tema da responsabilidade cívica dos portugueses na actual situação do País. Não há dúvida de que quando um problema de reprovações toma esta dimensão é porque as suas causas não podem ser da exclusiva responsabilidade dos alunos. Elas terão de ter outras razões. Nomeadamente no conteúdo e na forma de ensino. Isto é, no sistema educativo. Estas matérias tornaram-se "casos" quase dramáticos. É urgente perceber o que se passa e adoptar medidas. Se tal não acontece, corremos o risco de virar um país de débeis mentais. Há anos, a rejeição respeitava, maioritariamente, à Matemática. No presente, ela estendeu-se, também, à língua pátria. Assistir à progressão da doença, sem administrar tratamento, releva da pura negligência. Quanto ao colapso da UEM, o relatório refere que, se antes, tal hipótese não se punha, hoje, ela já "não é inconcebível". E acrescenta que poderá ser apenas uma questão de tempo, até a Alemanha e a Holanda serem arrastadas para a deflação e a Itália se ver condenada a sucessivas entradas e saídas da recessão. O que, segundo aqueles especialistas, aponta para três cenários possíveis aplicação de reformas; tentação governamental de proteger as indústrias nacionais; ruptura da UEM, provocada pela insustentabilidade da situação económica. O tempo dirá da razão de tal estudo. Mas que ele retrata o que muitos de nós sentimos, ninguém tenha dúvidas!
No que à responsabilidade civil respeita, Manuela Ferreira Leite tem toda a razão, quando diz que "nesta nossa sociedade mediática estamos a conformar-nos a viver de anúncios". De facto, tudo se anuncia sem a mínima preocupação de concretização. E, quem pergunte o óbvio, arrisca-se, de imediato, a ser abafado. Para não falar já de outros meios, mais aliciantes, de estimular o silêncio.
Há quatro meses que somos semanalmente bombardeados com programas de investimento, sem qualquer garantia de que os mesmos sejam realizados, por quem e quando. Fala-se do aeroporto da Ota e do TGV, por exemplo. O primeiro está longe de reunir consenso e a discussão pública desse projecto é uma obrigação de todos nós. O esforço financeiro exigido está por conhecer, o modelo de financiamento também e a contribuição económica para o desenvolvimento do País está por avaliar. Quanto ao segundo - mesmo aceitando que se trate, numa lógica europeia, de não deixar Lisboa fora da ligação entre as grandes cidades -, é preciso que se explique, sem rodeios, que o projecto não será rentável e que terá, para cada um de nós, uma parcela de sacrifício, que importa conhecer. Ou seja, estamos a assumir encargos que, face ao estado das contas públicas e a uma situação internacional pouco clara, podem vir a representar um garrote para as gerações futuras. Será uma irresponsabilidade cívica e ética não discutir e avaliar o peso orçamental de todos estes projectos nos próximos anos. Porque se o não fizermos, se o não exigirmos, o eng. Sócrates poderá não abdicar do seu futuro, mas corre o sério risco de comprometer o dos nossos netos. Que, um dia, nos questionarão pelo seu presente!
Assim, é um dever de cada português não se demitir de ser ouvido nas opções que mais irão pesar no seu cômputo familiar. E é uma obrigação dos governantes e do Presidente da República fazer com que haja uma discussão pública alargada sobre os meios e os encargos que estas escolhas irão envolver.

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