quarta-feira, 6 de julho de 2005

Um artigo de António Rego

A pura perda de tempo
Será patriótico falar de repouso num momento complexo em que todo o trabalho é pouco para a recuperação económica do país? Fará sentido falar de entretenimento quando parece que toda a sociedade mediática se atravessa na vida das pessoas com o livre trânsito do espectáculo e do divertimento, por vezes desbragado, como o primeiro dos bens?
Oportuno foi o tema nas Jornadas Culturais que decorreram em Fátima, onde parecia, de início, travar-se o choque entre cultura e entretenimento. E todavia foi interessante a reflexão trazida por alguns mestres que recordaram as olimpíadas gregas, os teatros romanos, os espectáculos de coliseu com gladiadores, jogos sanguinários, e a lista de divertimentos que, com algumas variantes, se repetem nos tempos modernos com os mesmos mecanismos lúdicos, culturais, massivos, espectaculares e, por vezes, morais e imorais.
E por aí adiante, nos tempos. As tertúlias, as conversas de corte e costura, os contos, fábulas, as acrobacias de circo ou atletismo, os livros, a música, a dança, as viagens, os jogos, a pausa. Há divertimentos nobres e vilões, outros, diferentes no invólucro, e próximos no miolo. O pão e o circo nunca estiveram longe das necessidades primárias do homem, não como interregno dos seus momentos mais nobres, mas como elemento integrante do seu todo. Assim sendo, é tão importante para o homem o lazer como o trabalho. Foi nessa integração que dançou David, ou que os peregrinos entoam canções no seu caminhar, e os soldados se exaltam ao toque das marchas militares e gritos de guerra. Os técnicos chamam-lhe catarse, descarga e impulso para o recomeço... Gostaríamos de mais saber o que foi o descanso de Deus no sétimo dia…
Não se trata duma patologia. O entretenimento, o repouso, o ócio são uma saudável distensão de tempo. Quando falamos de férias, juntamos por vezes uns ligeiros pós de auto-figurino ao interregno do trabalho. O importante é que sejam mesmo diferentes do trabalho. Para não termos de preencher dolorosamente uma agenda que nos tranquilize o laborioso cumprimento do repouso. A pura perda de tempo não é um vício. É uma etapa do recomeço. E um acto de cultura.

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