Para António Pinto Ribeiro, ensaísta e programador cultural da Gulbenkian, “a cultura humana nasce toda ela do jogo”, desde tempos imemoriais, sendo muito difícil estabelecer a fronteira entre cultura e entretenimento. E este não é uma actividade banal nem deve ser “diabolizado”. “A dignidade humana não está no entretenimento em si, mas no uso que dele se faz”, afirmou.
O conferencista alertou para o facto de os media se terem “apropriado” do entretenimento, que muita gente consome sem regra, o que leva “à desumanização e à passividade dos cidadãos”. No entanto, garantiu que há excelentes televisões, rádios e jornais, no meio de outros órgãos de comunicação social “desprovidos de inteligência”. E acrescentou que há pessoas que não podem desligar a televisão, porque não sabem ou não podem fazer mais nada, precisamente “porque não foram educadas” para fazer outras coisas.
Disse que a cada um cabe entreter-se segundo as suas capacidades, defendendo as tertúlias e as conversas à volta de livros e de outros interesses culturais, sendo certo, como frisou, que os contos e as fábulas fazem parte da nossa oralidade. As fábulas têm a particularidade de nos mostrarem toda a natureza viva a falar, disse.
Por outro lado, recordou que o ócio tem inúmeras variáveis, desde o passeio por jardins e parques, “como a borboleta que anda sem destino certo”, sendo ainda uma mais-valia para nos encontrarmos com as pessoas, com as coisas e com o mundo. “O ócio, o nada fazer, é dar curso à fantasia”, referiu.
O óbvio não é o mais divertido
Por sua vez, Jorge Leitão Ramos, jornalista e crítico de cinema do “EXPRESSO”, recordou que a sétima arte demorou muito a ser olhada como tal. Disse que o cinema tem de ser popular porque a sua produção e distribuição se apoiam em estruturas muito caras, e garantiu que “a moral tanto pode estar nos filmes de cow boys como nas tragédias”.
Recordou que os filmes nos devem levar a pensar, fazendo cada um a sua leitura. Num filme de Charlot, a criança ri-se com o artista a tropeçar e o adulto culto “medita sobre a tragédia humana”, disse.
Noutra passagem da sua intervenção, sublinhou que é preciso combater a ideia de que tudo é simples e fácil, enquanto recordou que “o óbvio não é o mais divertido”. Aliás, referiu que o gosto pelo fácil cria “um vazio mental”, gerando pessoas “sem coluna vertebral”. Frisou, entretanto, que se tem proclamado que “a vida deve ser fácil”, ao mesmo tempo que estamos a ser educados para o “imediatismo, como valor a cultivar”.
Por outro lado, defendeu que o “mal é a ausência de sentido para a vida” e que a sociedade de consumo “remeteu o silêncio e a utopia para o caixote do lixo”. Também recordou que o problema do nosso tempo não é a falta de cultura (nunca houve tantas propostas culturais como nos dias de hoje), tendo denunciado que “a cultura de massas nos oferece programas que se tornam abafantes”.
Fernando Martins
(Mais considerações sobre este tema das Jornadas da Pastoral da Cultura nos próximos dias)