quarta-feira, 20 de abril de 2005

Igreja Católica ainda mais humana

A boa nova da eleição de um novo Papa apanhou-me de surpresa, em viagem. A eleição do sucessor de João Paulo II estaria por dias ou horas, mas depois das primeiras votações, sem resultados, os comentadores levaram-me a pensar que dentro do Conclave haveria grupos de pressão a favor de três correntes: a dos conservadores, em torno do Cardeal Ratzinger; a dos liberais, à volta do cardeal Martini; e uma outra, a terceira via, com vários candidatos, onde estaria o Cardeal José Policarpo. Portanto, acreditei que a escolha do Papa demoraria mais umas boas votações. Afinal, não foi assim. Pensando melhor, os cardeais de hoje conhecem-se muito bem, com os meios de comunicação social a mostrarem ao mundo os dons e as capacidades de cada um, ao mesmo tempo que revelam os problemas e anseios dos homens e mulheres do nosso tempo, aos quais a Igreja Católica tem de dar respostas. Por isso, a lógica da eleição rápida. Quando muitos, mesmo entre os católicos, esperariam um Papa mais jovens, os 115 cardeais deram à Igreja um Sumo Pontífice de 78 anos, idade em que a grande maioria das pessoas se encontra ou sonha com a reforma. O Espírito Santo, cuja intervenção de animador da Igreja os católicos aceitam, religiosamente, deu-nos, então, um Papa que tem de o ser para as necessidades de hoje. Joseph Ratzinger é um dos mais conceituados teólogos da actualidade, foi confidente de João Paulo II, foi formado no Vaticano II, é um homem de uma grande cultura e um profundo conhecedor das necessidades da Igreja. É considerado extremamente metódico, mais de gabinete do que de grandes multidões, mas humilde e capaz de diálogo. Cumpriu uma missão espinhosa, como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, e daí os olhares desconfiados de alguns. Mas a verdade é que uma instituição multissecular, como é a Igreja Católica, tem de preservar os seus valores fundamentais e é preciso alguém que tenha a tarefa de olhar por eles.
Isto não significa que seja proibida a evolução em campos secundários, e muitos são, pelo que é de prever que, mais século menos século, haja ordenação presbiteral de homens casados, diaconisas e até presbíteras solteiras ou casada. Mas já não acredito que a Igreja venha a aceitar o aborto ou a eutanásia e o casamento de homossexuais, sejam homens ou mulheres. Pessoalmente, gostaria que o novo Papa intensificasse o diálogo ecuménico e inter-religioso, que implementasse a aproximação intercultural, que estabelecesse uma maior aproximação à ciência e aos cientistas, e que levasse a Igreja a ser ainda mais humana, no contacto permanente com os mais pobres, os excluídos e os perseguidos, através de novas e mais criativas formas da promoção da justiça social. Mestra em humanidades, a Igreja devia, no entanto, privilegiar o hábito de caminhar de mãos dadas com os que sofrem, no corpo e na alma, as injustiças humanas, como tantos missionários já o fazem. Gostaria, também, que no interior da Igreja houvesse uma maior participação democrática, sem contradizer a forma hierárquica de governo que está na sua essência. Que a co-responsabilidade eclesial, tão apregoada, fosse levada à prática no dia-a-dia, e que os jovens fossem estimulados a assumir tarefas que os envolvessem nas comunidades com mais empenho. O funeral de João Paulo II mostrou que a juventude também está na Igreja e todos sabem que o futuro da Igreja depende da juventude de hoje. Gostaria que a Igreja olhasse, com outros olhos, para a Ásia, para a África e para a América Latina, onde há multidões sem eucaristia dominical e sem condições de vida dignas do século XXI. E por fim, gostaria que a Igreja descobrisse caminhos de reevangelização da Europa, no diálogo permanente com todos os homens e mulheres que aspiram por um mundo melhor.
Há quem fale do Ratzinger teólogo, do Ratzinger "guardião da fé" e do Ratzinger, agora Bento XVI, Pastor Universal dos Católicos, que será bastante diferente dos dois primeiros e muito capaz de nos surpreender a todos. Eu confio sinceramente na sua inteligência e no seu amor à Igreja, como confio na sua capacidade para ser o Papa de que precisamos.
Fernando Martins

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