Por estes dias andei de viagem com o escritor e jornalista Miguel Sousa Tavares. Como guia, levei o seu livro «SUL - Viagens» e a inspiração de um poema de sua mãe, a poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen, com que o autor abriu as suas descrições e vivências, neste seu livro, que saiu recentemente em edição renovada. O poema aqui fica para enriquecer, também, neste meu diário, as minhas memórias:
DERIVA
Vi as águas lobos vi as ilhas
E o longo baloiçar dos coqueirais
Vi lagunas azuis como safiras
Rápidas aves furtivos animais
Vi prodígios espantos maravilhas
Vi homens nus bailando nos areais
E ouvi o fundo som das suas falas
Que já nenhum de nós entendeu mais
Vi ferros e vi setas e vi lanças
Oiro também à flor das ondas finas
E o diverso fulgor de outros metais
Vi pérolas e conchas e corais
Desertos fontes trémulas campinas
Vi o frescor das coisas naturais
Só do Preste João não vi sinais
As ordens que levava não cumpri
E assim contando tudo quanto vi
Não sei se tudo errei ou descobri
Do princípio ao fim da leitura foi um deleite, no contacto com paisagens, gentes e culturas muito distantes das nossas. Nalgumas, lá estavam, porém, as marcas do império e da passagem e estada dos portugueses. Marcas que já são, em muitos casos, ruínas, como em S. Tomé e Príncipe.
Segui, depois, para a misteriosa Amazónia, onde me senti engolido «pelos índios e pela selva» e onde contactei com tribos que desconhecem as vidas que vamos alimentando. Embrenhei-me um pouquinho na selva impenetrável para estranhos, naveguei e nadei em rios de águas límpidas e vi costumes inimagináveis.
Saltei para o Egipto e para uma civilização que um povo de escravos e reis construiu. Contemplei o deserto e construções que têm atravessado o tempo, dando largas à imaginação de arqueólogos e historiadores. Andei por Goa, que os portugueses ocuparam durante 450 anos, e pude sentir que a alma lusa por lá ficou, nas casas e nas pessoas, algumas das quais ainda não esqueceram totalmente o Português e a fé cristã.
Estive em Cabo Verde, que é o país do Terceiro Mundo que «melhor aproveita a ajuda externa». Paisagens e pessoas a convidarem-nos para novos encontros. Estive em contacto com o mundo árabe e com os restos de civilizações que atingiram o auge e depois decaíram. Alhandra: Os jardins de Alá, Marráquexe e as suas muralhas vermelhas.
Depois andei pela Costa do Marfim, o coração de África, mas não deixei de passar por Veneza e de navegar pelos seus canais de encanto. O mágico Nordeste brasileiro, a Tunísia azul e branca, a pista para Tamanrasset, temerária e para gente corajosa, entre outras visitas, aí ficam para quem quiser ler este livro de Miguel Sousa Tavares. Para quem gostar de viajar com alma.
Fernando Martins