segunda-feira, 27 de dezembro de 2004

O NOSSO MENINO JESUS

O nosso MENINO JESUS está na família há muitos anos. Desde há meio século, aparece sempre, de forma mais visível no início do Advento, para a todos ajudar a chegar com mais autenticidade ao Natal. Em nossa casa, fica no salão mais movimentado, simplesmente na companhia de Sua Mamã, Maria Santíssima, e de Seu Papá adoptivo, o venturoso S. José. Sem vaquinha nem burrinho, sem pastores nem ovelhinhas, sem castelos nem riachos e sem outras fantasias que possam obscurecer a Sua presença inefável entre nós.
O nosso MENINO JESUS ali está como oferta a quem entra no salão e a quem se debruça sobre a Sua humildade e sobre o mistério do Seu nascimento. Sobre a Sua mensagem, que é o anúncio de um Deus próximo, humanado, que veio prometer um Reino de liberdade, de justiça, de amor, de verdade, de fraternidade e de paz. Deitado em caminha fofa, não passa frio. Mãos carinhosas tricotaram há anos roupinha quente, de lã, onde não falta uma capinha com capucho para maior agasalho. Tal como Sua Santíssima Mamã teria feito se ao tempo fosse moda. 
De fora, a desafiar o Inverno que às vezes se faz sentir, apenas o Seu rosto sereno e uns olhinhos muito vivos. Os bracinhos, abertos, como que oferecem um abraço de ternura a quem entra. Ou pedem um pouco de colo que O alivie da posição em que fica dia e noite. De quando em vez, há uma alma boa que O levanta, O aconchega, O afaga e O beija com carinho e amor. E até chama a atenção dos mais distraídos para a presença do MENINO, que não está entre nós só por estar. Estou mesmo convencido de que o nosso MENINO JESUS está atento ao calor humano com que a família, que há décadas O acolheu, O mimoseia, de maneira especial no Advento. 
Tenho mesmo a certeza de que Ele tem, ano após ano, segredos com que distingue toda a gente de casa e até os amigos da família. Talvez por isso, muitos não resistem a parar junto d´Ele, como quem O escuta com atenção. Estão a ouvi-l’O, certamente, como se ouve alguém da nossa intimidade com muito para contar ou para dizer. Que o nosso MENINO JESUS, pelo que tenho visto, gosta imenso de nos ouvir e de ler o que nos vai na alma. 
No salão, onde o nosso MENINO JESUS está, há vida, que Ele decerto aprecia e compreende. Gente que fala e escuta, gente que ri e discute, gente que conversa sobre coisas sérias e a brincar, gente que partilha sentimentos e emoções, gente que acredita que as comunidades podem ser melhores se todos quiserem e souberem contribuir para isso. 
No Seu íntimo, deve sentir-se feliz por estar connosco, no convívio constante com pessoas de idades diversas, de mentalidades diferentes, com sonhos bem guardados e às vezes comungados, com pessoas que não se deitam sem Lhe dirigirem um simples gesto de ternura e que, de manhã, ao levantar, O vão saudar e acariciar, com um “olá amigo!”, que o é de todas as horas. Há dias, o salão estava barulhento e nada convidativo ao descanso e à meditação.
Propositadamente, desliguei a televisão, para poder pensar e para contemplar o MENINO. E também na esperança de que Ele dormitasse, que os meninos precisam de dormir bastante. O Tóti e a Tita, o cão e a cadela que formam um par feliz, que nem alguns humanos conseguem imitar, estranharam o meu comportamento e procuraram os seus ninhos, onde se acomodaram. A Biju e a Gúti, as gatas, mãe e filha, a primeira mais arisca e fugidia e a segunda mais serena e misteriosa, fixaram-me espantadas, como que questionando-se sobre o porquê da minha atitude. Depois, a Biju quedou-se no parapeito da janela e a Gúti, a tal de ar e olhar misteriosos, aproximou-se, mansamente, do MENINO e ali ficou embevecida, talvez a contemplá-l’O. 
Na gaiola, Quitinho, o canário, deixou os trinados habituais e olhou, inquieto, para tanta calma. Senti, então, quanto o silêncio é importante na vida, para tudo e para todos. Desligados do barulho ensurdecedor que nos rodeia, saberemos encontrar-nos a nós próprios, para depois nos encontrarmos com os outros. E com Deus. 
Pé ante pé, aproximei-me do nosso MENINO JESUS, acariciei-O, e como que notei fixo em mim o Seu olhar, todo ele transbordante de infantil candura e de felicidade contagiante. Mais ainda: pressenti que Ele queria segredar-me um qualquer recado para eu ter em conta. Um recado contra o pessimismo que me domina frequentemente e que me leva a pensar que o mundo está perdido e sem conserto. Porque há guerras sem fim, como sempre houve através do tempo, porque há fome e pobrezas humilhantes, porque há gente que explora gente, porque há falta de amor em tantas vidas, porque há abismos sem fundo entre ricos e pobres, porque há homens e mulheres sem tempo para serem humanos, solidários e tolerantes, porque há pessoas loucas ou a caminho da loucura com o muito que têm e com o mais que ainda querem ter. 
O nosso MENINO JESUS concordou comigo, decerto numa estratégia pedagógica, para logo acrescentar, com uma convicção envolvente e desafiante, que todos podemos alterar este estado de coisas, começando a ser melhores, escutando-O, nos ambientes em que vivemos e trabalhamos. Sorridente, ainda adiantou que o segredo está em seguirmos os milhões e milhões de pessoas que promovem a paz, os milhões e milhões de pessoas que se dão aos outros, partilhando o que têm, os milhões e milhões de pessoas que vivem a alegria e a fraternidade, os milhões e milhões de pessoas que tornam o mundo mais belo, os milhões e milhões de pessoas que lutam pela justiça e pela verdade, os milhões e milhões de pessoas que vivem a simplicidade e promovem a reconciliação, os milhões e milhões de pessoas que pregam e vivem o amor, os milhões e milhões de pessoas que experimentam, no dia-a-dia, a liberdade, os milhões e milhões de pessoas que acreditam e apostam numa sociedade cada vez mais cristã. E eu a pensar que era tudo tão mau, quando, afinal, há imensas coisas boas, gratificantes, respeitadoras e promotoras da dignidade humana. 
Que grande lição me deu o nosso MENINO JESUS, naquele dia em que desliguei a televisão para pensar e para O ouvir, tendo por testemunhas, exclusivamente, o silêncio dos amigos animais de nossa casa. Prometi-Lhe, então, que jamais voltaria a querer ver a aldeia global, em que moramos, tão negra, com nuvens carregadas a escurecerem os hotizontes, acreditando, antes, que o homem novo e novas comunidades só podem brotar de gente com esperança e com coragem para ultrapassar mentalidades anquilosadas, retrógradas e pessimistas, oferecendo a todos testemunhos sãos que vêm da Fonte da Alegria e do Amor que nos ofertou o Deus-Menino, há mais de dois mil anos, e que alguns de nós teimamos em ignorar. Sobretudo, quando O pomos de lado ou apenas a decorar uma qualquer árvore com enfeites natalícios, onde o MENINO é tão-só um deles. 
A caminho do Natal, que é, como muitos ainda sabem, a celebração do mistério do nascimento do nosso Salvador, as catedrais do consumo já estão enfeitadas e preparadas para o desafio de nos fazerem esquecer o essencial, que é a mensagem de ternura que o MENINO nos legou. 
O MENINO, afinal, quer que descubramos nos nossos corações e nos corações dos que nos rodeiam, primeiro que tudo, os fios que tecem as verdadeiras prendas, que estão mais no darmo-nos aos outros do que no darmos somente embrulhos multicoloridos, quantas vezes cheios de nada. E também, que no meio de tanto sofrimento, de ódios, de violências e de escravaturas degradantes da vida humana, é possível descobrir um sentido novo, aberto a novos horizontes e que projecte um futuro melhor, verdadeiramente apoiado na lição sempre renovadora do NATAL DE JESUS CRISTO. 

Fernando Martins

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