terça-feira, 28 de junho de 2022

RIA DE AVEIRO vista por Frederico de Moura


(...)
Em certas manhãs, doiradas pelo sol nascente, a Ria parece toda um espelho onde, apenas, um trémulo de evaporação – ténue e vibrátil – põe um vestígio de movimento ritmado.
E, então, os malhadais, os montes de sal, os palheiros exíguos e pintados a zarcão, duplicam-se, invertidos, nas águas quietas onde, de vez em quando, uma gaivota, maleabilíssima e ágil, raspa uma tangente quase imperceptível.
As pálpebras cerram-se sobre a pupila magoada por esta duplicação da luz que se remira no espelho da água e, no silêncio inundado de sol, o chap chap de uns remos, ou o golpe da ponta de uma vara que empurram o barco que desliza, põem uma nota fugidia de onomatopeia.
Um homem de músculos individualizados – como num quadro mural de anatomia – corre sobre a borda de uma bateira mercantel como se andasse sobre o asfalto de uma avenida. Visto de longe, recortado na luz diáfana da manhã que lhe aviva as linhas e delimita os contornos, não sabe a gente se tem na frente um ginasta, se um bailarino. Os pés parece que não pisam e os movimentos de vaivém, desembaraçados e leves, semelham passos coreográficos.»

Frederico de Moura
"Aveiro e o seu Distrito", n.º 5, junho de 1968

segunda-feira, 27 de junho de 2022

Liberdade para quê?

Crónica de Bento Domingues
no PÚBLICO de domingo

Os nossos apetites desregrados manifestam-se sobretudo no desejo de ser cada vez mais rico, alimentando todo o tipo de desigualdades. Esta concentração do egoísmo é a negação mais vistosa do espírito cristão.

1. Quem vai à Missa nunca vai sozinho, vá ou não acompanhado, e sabendo que vai encontrar muita gente de quem desconhece as motivações mais íntimas, mas na convicção de que é o mesmo Espírito Santo que a todos convoca. Por outro lado, não há um Espírito Santo da Missa e outro do quotidiano.
Quando digo que ninguém vai sozinho, é por um simples pressuposto. Vai com todos os seus problemas que já não são os de uma sociedade marcada pela religião. Transporta, em si mesmo, o mundo secularizado, onde descobriu várias maneiras de encarar a vida e o seu sentido. Por isso, mesmo ouvindo a leitura dos mesmos textos, cada pessoa faz sempre a sua interpretação que pode não coincidir com a dos outros participantes. Actualmente, quem faz a homilia presta um serviço de interpretação dos textos, marcado pelos acontecimentos da semana, pela sua cultura bíblica e profana, supondo que conhece o que as pessoas procuram e o que ele tem a oferecer. Melhor seria que, em cada semana ou periodicamente, houvesse um encontro com representantes das diferentes tendências e preocupações, para não ceder à manipulação dos que participam na Eucaristia.

domingo, 26 de junho de 2022

A NOSSA GENTE: Manuel Maria Bolais Mónica


Em edição especial da coleção NOSSA GENTE Biografias, da CMI, saiu um livrinho que informa o essencial de um homem que muito deu à Gafanha da Nazaré e seu povo, mas também à nossa região. Trata-se de um trabalho sobre Manuel Maria Bolais Mónica, fruto das pesquisas do docente universitário António Vítor N. de Carvalho, que merece ser lido e apreciado, não só por o autor ter sublinhado a importância da arte e saber do Mestre ao nível da Construção Naval, mas também pela sua intervenção social, na defesa dos interesses da nossa terra.
Na apresentação do livro, o autarca ilhavense, João Campolargo, diz que Mestre Mónica “transformou o seu estaleiro na Gafanha da Nazaré numa escola de mestres qualificados para todo o país”, mantendo vivo “um legado de inteligência e intuição, engenho e perícia, confiança e ousadia, que se quer inspirador e mobilizador”.
Por sua vez, o autor do livro recorda o legado transmitido geracionalmente pelo Mestre, de “Carpinteiro de Ribeira” a Mestre da arte da Construção Naval.
Vítor Carvalho sublinha nos diversos capítulos o regresso de Manuel Maria Bolais Mónica ao concelho de Ílhavo, o seu contributo para a reestruturação corporativa da frota bacalhoeira, a sua passagem de mestre a artista, de empreendedor a industrial, mas ainda o cidadão, o empregador e o homem.

F. M. 

sábado, 25 de junho de 2022

Lições da natureza


 Por vezes, sou ingrato. Por ninharias, desanimo. E quando ando um pouco por baixo tenho por hábito sair das comodidades da minha casa para respirar o ar que me envolve, permanentemente purificado pelo arvoredo há décadas espalhado pelo quintal. Hoje senti nestes pinheiros o  vigor da natureza. Uma lição para seguir.

Na força da palavra: trabalho e férias

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias

Lembro-me bem da senhora Isilda, uma mulher muito bonita e viva, que, já com 91 anos, um dia me esclareceu no café quanto ao baptismo. Segundo ela, baptiza-se as crianças pequeninas, para receberem o Espírito Santo, que é mais forte do que Jesus, e que é o Espírito falador: é ele que dá às crianças a capacidade divina para falar.

À sua maneira, a senhora Isilda tinha consciência do milagre que é falar. Quem algum dia reflectiu sobre isso - a capacidade de falar: proferir sons articulados que transportam sentido - falando, dizemo-nos a nós próprios, damos ordens, fazemos declarações de amor, e ódio também, ensinamos, contamos anedotas, fazemos paralisar uma pessoa, erguemos alguém caído, dirigimo-nos ao Infinito -, não pode deixar de cair no assombro interrogativo. Um corpo humano, pelo simples facto de falar, nunca deixará de constituir um enigma e mesmo um milagre pura e simplesmente. Aristóteles definiu o Homem como "animal que fala".

Regata de grandes veleiros

Foto dos meus arquivos

Há cerca de 10 anos, tivemos a oportunidade rara de assistir à visita de grandes veleiros que atracaram no Porto de Aveiro, na Gafanha da Nazaré. Foi, sem dúvida, uma excelente oportunidade para apreciar a beleza destes navios, ornamentados a rigor.

Dos acomodados não reza a história


"Devemos o progresso aos insatisfeitos"

Aldous Huxeley 
(1894-1963),
escritor


Fonte: PÚBLICO de ontem