Crónica de Bento Domingues
no PÚBLICO de hoje
«O que Bergoglio não faz, nem deve procurar fazer, é substituir-se às comunidades cristãs. É a elas que pertence garantir, por actos, palavras e iniciativas, a expressão fiel da presença actuante do Espírito de Cristo na complexidade do mundo contemporâneo.»
1. O Papa fez, no passado dia 17, 83 anos. Não precisa nada dos meus parabéns. Sou eu, como membro da Igreja Católica, que preciso de lhe exprimir, publicamente, o agradecimento por ele estar a realizar, na linha de João XXIII e do Vaticano II, uma viragem, espantosa a muitos títulos, no pontificado romano. Tão admirável que eu nunca supus chegar a ver antes de morrer.
Há quem diga que os seus desejos de reformas nunca se concretizam, em modificações reais, quanto à orientação e às práticas efectivas no governo da Igreja Católica. Não partilho nada essa opinião. Não é só pelas muitas medidas, como agora esta da abolição do abominável “segredo pontifício” a que o PÚBLICO deu o devido destaque [1]. A sua intervenção destina-se a criar condições que tornem irreversível o próprio processo de reformas e não se extinga com o seu pontificado.
O que Bergoglio não faz, nem deve procurar fazer, é substituir-se às comunidades cristãs. É a elas que pertence garantir, por actos, palavras e iniciativas, a expressão fiel da presença actuante do Espírito de Cristo na complexidade do mundo contemporâneo.
Não se pode deixar tudo para o Papa como se ele não tivesse, desde o começo, recusado continuar um regime de monarquia absoluta! Mas, quem está disposto a participar na mobilização multifacetada de voluntárias e voluntários preocupados com a revitalização das comunidades cristãs, sobretudo quando parecem ressequidas ou estéreis? Sem convocatórias locais, é difícil criar movimentos que suscitem uma nova cultura de serviço que substitua as muitas artes de dominação económica, política e religiosa, cujas redes são cada vez mais abrangentes.
Se existem cegos que não reconhecem as inovações de Bergoglio, também não faltam os indignados poderosos por ele já ter ido longe demais. A verdade é que abriu uma grande clareira, destapou o horizonte e abriu um caminho à liberdade criadora, tantas vezes impedida, mesmo num passado recente.