segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Catálogo das doenças da Cúria

Crónica de Anselmo Borges
no Diário de Notícias de sábado
  
Estou convencido de que nunca pensaram ter de ouvir o que ouviram. Estavam os cardeais, bispos, monsenhores na bela Sala Clementina, para a saudação natalícia papal. A Cúria — governo e administração central da Igreja — esperaria palavras diplomáticas, alusivas à data. Mas o Papa Francisco veio com o Evangelho, num discurso profético e arrasador.

A. Como seria belo, começou, "pensar que a Cúria romana é um pequeno modelo da Igreja". No entanto, "como todo o corpo humano, está exposta à doença, ao mau funcionamento". E enumerou, em tom duro, algumas destas doenças da Cúria. 
1. Tudo gira à volta da "patologia do poder". Assim, a primeira doença é a de "sentir-se imortal, indispensável", que leva ao narcisismo e a considerar-se superior a todos e não ao serviço de todos. Por isso, aconselhou uma cura de humildade: passar por um cemitério e ver os nomes de tantos que também pensaram que eram imortais e indispensáveis. "Uma Cúria que não se autocrítica, que não procura melhorar é um corpo doente". 
2. Outra doença é o "martismo". No Evangelho, há duas irmãs: Marta e Maria e, enquanto esta escuta Jesus, Marta corre e atarefa-se sem descanso. O martismo é, pois, o trabalho excessivo, no stress, na agitação, sem repouso para a meditação e interioridade. 
3. Há também a "fossilização mental e espiritual", que leva à perda da sensibilidade necessária para chorar com os que choram e alegrar-se com os que se alegram. 
4. Lá está ainda a doença do excesso de planificação e do funcionalismo, que conduz a posicionamentos estáticos e imutáveis, com a pretensão de domesticar o Espírito. 
5. A doença da má coordenação, perdendo o espírito de colaboração e equipa. 
6. A doença do "Alzheimer espiritual": perdeu-se a memória do encontro com Jesus e com Deus e vive-se então na dependência de concepções imaginárias, das próprias paixões, caprichos e manias. 
7. Lá estão "a rivalidade e a vanglória", transformando-se a aparência, as honras e as medalhas honoríficas no primeiro objectivo da vida. 
8. A doença da "esquizofrenia existencial", que é a de "quem vive uma vida dupla, fruto da hipocrisia típica do medíocre e do vazio espiritual que títulos académicos não podem preencher". Doença que afecta sobretudo quem se limita às coisas burocráticas e perde o contacto pastoral. 
9. A doença dos "rumores, mexericos, murmurações, má-língua", que pode levar ao "homicídio a sangue frio". Cuidado com "o terrorismo dos rumores, do diz-se!". 
10. A doença de "divinizar os chefes", própria de quem idolatra os superiores: "são vítimas do carreirismo e do oportunismo". 
11. A doença da indiferença para com os outros. 
12. A "doença da cara de funeral": são pessoas" bruscas e grosseiras", sem alegria nem delicadeza. 
13. A doença da acumulação de bens materiais, querendo assim preencher "um vazio existencial no coração". 
14. A doença dos "círculos fechados", com o perigo de cortar a relação com o Corpo da Igreja e até com o próprio Cristo. 15. A última é "a doença do mundanismo, do exibicionismo", transformando o serviço em poder. 



B. É claro que "estas doenças e tentações são naturalmente um perigo para cada cristão e para cada cúria (diocesana), comunidade, paróquia, movimento eclesial, e podem ferir tanto a nível individual como comunitário", concluiu. Aliás, podemos acrescentar que as tentações de sentimento de imortalidade, Alzheimer espiritual, esquizofrenia existencial, exibicionismo, materialismo, vaidade, nepotismo, martismo... são tentações de governantes e cidadãos em geral, em toda a parte. Mas, aqui, sem adoçar as palavras, Francisco dirigiu-se directamente à Cúria romana, que não quer como corte e que não reagiu entusiasta ao discurso, apenas com palmas tímidas e frouxas. Possivelmente, a Cúria ao longo dos tempos terá feito mais ateus e provocado mais abandonos da Igreja do que Marx, Nietzsche, Freud e outros pensadores ateus juntos. 

Recentemente, o historiador da Igreja, Andrea Riccardi, fundador da célebre Comunidade de Santo Egídio, ex-ministro da Itália e amigo de Francisco, advertiu que "o Papa tem muita oposição dentro e fora da Cúria, e sabe-o". Francisco está a operar uma revolução na Igreja e tem consciência de que há maquinações no sentido de um restauracionismo pré-conciliar. Mas também sabe, como acrescentou Riccardi, que, sem o Concílio Vaticano II, "a Igreja teria naufragado e seria uma pequena comunidade com um grande passado". "A Igreja errou ao apresentar-se como o partido dos valores tradicionais", e "aceitar o desafio de ser Igreja-povo é crucial".
Francisco é consciente de que, sem reformas estruturais na Igreja, corre o risco de, desaparecendo ele, o seu pontificado vir a ser considerado como um simples parêntesis. Por isso, invocou a urgência de conversão da Cúria. Fê-lo, à luz do Evangelho, frente à Cúria e sabendo que a maior parte da Igreja e da opinião pública mundial está do seu lado.

domingo, 28 de dezembro de 2014

Um milénio entre a excomunhão e a bênção

Crónica de Frei  Bento Domingues 



1. Segundo a cronologia, devia ter deixado para hoje o que escrevi no Domingo passado. Mas assim é melhor. Vamos, então, à fonte donde nasceram as questões que os jornalistas levantaram ao Papa, no voo de regresso da Turquia.

Foi uma peregrinação que durou três dias cheios de acontecimentos, cuja significação profunda e decisiva para o futuro passou quase despercebida. Começo pelo contraste complementar entre as declarações fervorosas sobre o Islão – a não confundir com as organizações que o invocam para matar em nome de Deus - e o apelo veemente aos dirigentes religiosos e políticos muçulmanos para que se unam na denúncia clara e pública desses crimes e ameaças.
A Turquia é a fronteira de muitas fronteiras políticas, religiosas e cristãs. Bergoglio não foi lá dar lições a ninguém. Foi encorajar os que procuram caminhos de paz no Medio Oriente, intensificar o diálogo inter-religioso e revigorar a proximidade católica com o mundo cristão da Ortodoxia.
Era conduzido pelo desejo de congregar as energias de todas as pessoas de boa vontade, daquelas que vêem o mundo a partir do rosto das vítimas da violência, dos pobres e dos excluídos e que não aceitam esta vergonha como uma fatalidade.

NOVA LUZ PARA A FAMÍLIA

Reflexão de Georgino Rocha 
para o Domingo da Sagrada Família



Duas vezes, ouve José a voz do enviado de Deus que lhe diz: “Levanta-te, toma o Menino e sua Mãe”. Mt 2, 13-15. 19-23. Uma, para fugir para o Egipto. Outra, para regressar às terras de Israel. A primeira, porque o Menino corria perigo de vida. A segunda porque Herodes, o perseguidor, havia morrido. E José acolhe prontamente a ordem recebida e, com obediência confiante, dá-lhe seguimento.
A fuga e o regresso, facto com algum fundo histórico, mas sobretudo simbólico e teológico, são aproveitados por Mateus para fazer uma excelente catequese sobre Jesus e a sua família. José, o esposo de Maria; Maria, a Mãe do Menino; Jesus, o filho de Deus, todos unidos pelo mais fiel amor, pela mais profunda comunhão, pelo maior desejo de fazer o que o enviado de Deus havia anunciado como promessa e, agora, se realiza neles e por eles. 
Quem não admira estes valores?! São indispensáveis a qualquer família: ser berço da vida e escola da educação, espaço privilegiado de apoio mútuo e de crescimento de todos, lar de abrigo carinhoso e força motriz de sonhos sempre novos a realizar, unidade básica da vida em sociedade a humanizar e igreja doméstica a edificar, prenda "natalícia" com que Deus quer presentear-nos. E quem não se sente impelido a passar da admiração à imitação?! E a participar no debate em curso para preparar o Sínodo que o Papa Francisco convocou para Outubro de 2015 e que trata da família e das novas situações em que se encontra?!
José toma o Menino e sua Mãe. Bela realidade que nos deixa encantados. Toda a criança tem pais conhecidos, sobretudo tem mãe, a sua mãe. A sua e não outra. A experiência de relação e de pertença é estruturante do ser humano. Sem esta, por melhores que sejam as substituições, fica empobrecida a natureza filial e definhada a ternura materna. Feliz a família que sabe acolher os filhos, criar-lhes relações de apoio estabilizador, acompanhá-los no desabrochar da verdade e dar-lhes alento às “asas” da liberdade para voarem, mantendo acessível e encorajante o rumo da vida digna.

sábado, 27 de dezembro de 2014

Catálogo das doenças da Cúria

Crónica de Anselmo Borges no DN


«Estou convencido de que nunca pensaram ter de ouvir o que ouviram. Estavam os cardeais, bispos, monsenhores na bela Sala Clementina, para a saudação natalícia papal. A Cúria - governo e administração central da Igreja - esperaria palavras diplomáticas, alusivas à data. Mas o Papa Francisco veio com o Evangelho, num discurso profético e arrasador.

A. Como seria belo, começou, "pensar que a Cúria romana é um pequeno modelo da Igreja". No entanto, "como todo o corpo humano, está exposta à doença, ao mau funcionamento". E enumerou, em tom duro, algumas destas doenças da Cúria.»

Psrs ler na íntegra na segunda-feira

Votos de Boas Festas

Fernando e Lita


Graças às novas tecnologias da comunicação, ano a ano renovadas e multiplicadas, nunca recebi tantas e tão expressivas mensagens de Boas Festas como nesta quadra. A resposta personalizada a cada amigo, como seria justo e compreensível, tornou-se impossível. Ainda tentei mas desisti. Faço-o por esta forma, agradecendo a gentileza dos contactos e dos votos, na esperança de que todos possam usufruir de um 2015 muito melhor do que o triste 2014 que está prestes a passar à história. 

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Um Papa sem papas na língua

O discurso do Papa Francisco
foi o único projecto político forte
e desassombrado
que ouvi nos últimos anos

Inês Pedrosa




Publicado no semanário Sol

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quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

VIMO-LO CHEIO DE GRAÇA E DE VERDADE

Reflexão de Georgino Rocha 
para a Missa do Dia de Natal



“Vimo-Lo cheio de graça e de verdade”, é como João apresenta o Verbo de Deus que se faz carne humana e habita entre nós. Jo 1, 1-18. “Vimo-lo” é certeza reconhecida e testemunho assertivo, afirmação testada e anúncio jubiloso.
O Verbo de Deus faz-se carne humilde e débil. A sua glória brilha na fragilidade de uma criança. A Palavra eterna ressoa nas vozes do tempo e assume as formas de comunicação humana. A tenda de Deus ergue-se na história e regista as “marcas” contingentes da humanidade, configurando-se não como templo de pedras, mas como consciência desperta para a dignidade da sua vocação a deixar-se encher de graça e de verdade. Grande maravilha! Felizes os que a sabem apreciar e dar-lhe rosto pessoal configurado por atitudes coerentes
João apresenta-O, assim, não por fantasia engenhosa, pessoal e da comunidade a que se dirige, mas por eles terem visto a glória do Senhor e experienciado o seu amor, por terem ouvido a sua palavra e transmitido a sua mensagem, por terem tocado as suas “chagas” e partilhado a sua paixão. Apresenta-O assim, com um propósito claro explicitado na sua 1ª. carta: “ Para que estejais em comunhão connosco. A nossa comunhão é com o Pai e com Seu Filho Jesus Cristo … para que a vossa alegria seja completa” (Jo 1, 3 e 4).
Não deixemos perder o sentido profundo do Natal. Jesus é o melhor presente de Deus à humanidade, a cada um de nós. O seu amor é a prenda mais valiosa. A sua proposta de felicidade é a que mais valoriza a pessoa dotando-a da sua divina dignidade.