quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

A morte e a morte

"Estamos todos bem servidos/ de solidão", escreve Alexandre O'Neill. Não de solidão sozinha; de multitudinária solidão sim, e essa "de manhã a recolhemos/ no saco, em lugar de pão". Porque, ao mesmo tempo que abandonamos os nossos velhos à pior e mais dolorosa das solidões, desaprendemos de estar sós connosco. A verdade é que a maior parte de nós não é boa companhia para si próprio. À nossa volta, nos locais de trabalho, na rua, quantas vezes na família, a humilhação tomou cada canto e esquina das nossas vidas, instalou-se nos comportamentos e nos corações, corroendo, como um cancro, a existência individual e social. Tememos ficar sós porque tememos aquilo que temos para nos dizer, e sentamo-nos diariamente diante da TV como quem fecha os olhos. Há uma novela de Cesare Zavattini cuja personagem planeia durante toda a vida dar uma merecida bofetada ao chefe e morre sufocada por esse desejo nunca consumado e pelo desprezo de si mesmo. Quantas vezes morreram por dentro, antes de se matarem, os polícias e GNR (este ano já são 14) que em Portugal regularmente se suicidam "com a arma de serviço"?
Manuel António Pina, no JN

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

NATAL - 2008

A Prenda
Do Santa Claus, herdara o nome e a destreza física. O primeiro deslizava pelas planícies geladas da Lapónia, num trenó puxado por renas amestradas, numa correria expresso, para entregar as prendas a tempo e horas. O segundo fazia piruetas e cavalos com a sua bicicleta, na rua onde morava, para expandir o excesso de energia que o dominava. Era vê-lo correr, com o rabito levantado, do selim, ou exibir o seu talento de malabarista, levantando a roda da frente, tal qual garboso cavalo, arqueando as patas dianteiras. Era ele um adolescente cheio de vivacidade, com os fartos cabelos louros, caindo-lhe em anéis sobre os ombros, ou presos atrás, em rabo-de-cavalo, com ar desafiador perante a vida e muita contestação reprimida. A vida fora madrasta para ele, em toda a extensão da palavra. A morte prematura da mãe precipitara a desagregação dos laços familiares, que aquela conciliara enquanto viva. O padrasto, remetendo-o para a sua situação de filho “adquirido”, restituíra-o à sua anterior condição de órfão de pai, agora da família inteira. Teria ficado sozinho no mundo, não fora a generosidade, a abnegação e o amor da avó materna, que desfrutava, há bem pouco tempo, a tranquilidade duma reforma bem merecida. Prodigalizava esforços, carinhos, para o compensar da falta prematura e súbita da mãe. Havia passado ainda pouco tempo após a sua morte, quando se avizinhava mais um Natal, na vida do protagonista desta história. Na ânsia de lhe minorar o sofrimento e a falta do amor maternal, a avó inquiriu um dia, o neto, sobre a prenda que gostaria de receber. Foi enumerando coisas que fazem as delícias da criançada e que são habitualmente pedidas ao Pai Natal. Escurecia-se-lhe o rosto, sempre que era interpelado sobre tal questão. O tom pesaroso e sombrio que o acometia evidenciava a nostalgia que perpassava na mente deste jovem. Escusava-se a responder, permanecendo num mutismo prolongado. Um dia, depois de muito instado para dar a resposta, sem medo, sem contemplações, atirou, em desespero: - Quero a minha mãe! A torrente de lágrimas aprisionada no cárcere da tristeza jorrou livremente, inundando o campo que tanto quisera proteger! Essa prenda, nem com toda a fortuna do mundo lha poderia dar! Mª Donzília Almeida 01.12.08

A Nossa Gente: Frei Silvino


Neste mês de Dezembro, em que se celebra mais uma quadra natalícia, caracterizada pelo espírito de festa, família e comunhão de pessoas, dedicamos a rubrica “a nossa gente” ao Frei Silvino Teixeira Filipe. Nascido a 19 de Janeiro de 1954, na freguesia da Gafanha da Nazaré, Município de Ílhavo, o Frei Silvino completou a instrução primária na Escola Primária da Cambeia, tendo prosseguido os estudos no Liceu Nacional de Aveiro. 
Para fazer o Postulantado, ingressou no Noviciado dos Padres do Carmo de Fátima a 4 de Fevereiro de 1974, tendo a partir daí trilhado um caminho com vista à vida sacerdotal: tomou o hábito do Carmo a 8 de Outubro do mesmo ano e fez a sua Profissão Simples na Ordem a 21 de Setembro de 1975, ambos em Fátima. 
No ano lectivo de 1975-1976 frequentou o Seminário Carmelitano de Viana do Castelo, onde estudou latim, grego e outras matérias. Em 1976, iniciou os estudos filosóficos e teológicos no ICHT – Instituto de Ciências Humanas e Teológicas, do Porto (1º ano), frequentou os 2º e 3º anos na Universidade Pontifícia de Salamanca, regressando ao ICHT para concluir a referida licenciatura. A 16 de Novembro de 1980, consagrou-se perpetuamente ao Senhor como Carmelita Descalço pela Profissão Solene, no Convento do Carmo de Aveiro, onde foi igualmente ordenado de diácono a 1 de Março de 1981. 
A ordenação presbiteral aconteceu a 27 de Setembro de 1981, na Igreja da Gafanha da Nazaré, pelo Bispo de Aveiro, D. Manuel de Almeida Trindade. Nesse ano, voltou ao Convento do Carmo de Viana do Castelo para trabalhar como missionário no Seminário Carmelitano e também no secretariado diocesano da pastoral da Juventude, onde permaneceu até 1984.
Os 3 anos seguintes foram vividos na Casa do Carmo, em Fátima, como responsável do Postulantado. No dia 20 de Julho de 1987, celebrou a sua primeira Missa como conventual do Convento do Carmo de Aveiro, onde se encontra desde então, tendo cumprido há dois anos o jubileu das suas bodas de prata sacerdotais. Para o homenagear, a Câmara Municipal de Ílhavo e a Ordem dos Padres Carmelitas promoveram a apresentação do Livro “Alegrai-vos! Homilias do Frei Silvino”, que decorreu na Biblioteca Municipal de Ílhavo, no dia 16 de Dezembro de 2006, do qual apresentamos um pequeno excerto inteiramente dedicado à época natalícia que se avizinha:
“Nos braços do Menino de Belém que se estendem como um bebé para nós, devemos ver o amor de Deus e agradecer-Lhe porque nos criou para sermos como Ele, Deus. Que o Natal nos anime a todos na fé de seguir, servir, amar e louvar aqui e para sempre o Deus que Maria trouxe no seu ventre, deu à luz em Belém e é o Senhor de toda a história e de todos os homens. É Natal, alegremo-nos e rejubilemos porque somos para Deus o melhor que ele tem, porque somos para Deus a obra mais preciosa e Ele não nos deixa ficar pelo caminho, quer levar-nos para a casa onde um dia nasceremos depois da morte, como Ele nasceu no Natal em Belém. A todos, santas e alegres festas do Natal de Cristo nosso Deus, Redentor e Criador. Que assim seja.” 

In Alegrai-vos! Homilias do Frei Silvino – “Solenidade do Natal(I) – Somos o melhor que Deus tem!”


In "Viver em...", da CMI


NOTA: Mais um amigo meu que foi contemplado, pela Câmara Municipal de Ílhavo, com uma referência na sua Agenda "Viver em..." de Dezembro. Oportuna, sem dúvida, até porque nos ofereceu uma mensagem natalícia do homenageado, Frei Silvino, transcrita do seu livro "Alegrai-vos!". Conheço Frei Silvino desde sempre. Mais concretamente, desde a sua participação em tudo o que dizia respeito à Igreja Católica, tendência natural que ele soube cultivar com esmero, até se definir, já na juventude, pela vida religiosa, como consagrado. O meu amigo Silvino nunca deixou de manifestar a sua amizade para comigo, numa resposta à amizade que nutro por ele. O seu empenho pela causa do Evangelho está bem patente naquilo que faz, com os jovens e com todos quantos se abeiram dele. Frade por convicção e opção forte, Frei Silvino granjeia amizades e irradia simpatias onde quer que se encontre. Por isso, esta justa homenagem da nossa Câmara Municipal de Ílhavo, que aplaudo.

FM

Efeméride gafanhoa: Capela de Nossa Senhora dos Navegantes

3 de Dezembro
Segundo rezam as crónicas, neste dia, em 1863, começou a cosntruir-se a Capela de Nossa Senhora dos Navegantes, que ainda hoje se mantém como o templo mais antigo das Gafanhas. Leiam mais aqui.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

NATAL - 2008

ORAÇÃO DO DEUS-MENINO Era noite; e por encanto Eu nasci, raiou o Dia. Sentiu meu pai que era Santo, Minha mãe, Virgem-Maria As palhinhas de Belém Me serviram de mantéu; Mas minha mãe, por ser Mãe, É a Rainha do Céu. Nem há graça embaladora, Como a de mãe, quando cria; É como Nossa Senhora, Mãe de Deus, Ave-Maria! Está no Céu o menino, Quando sua mãe o embala. Ouve-se o coro divino Dos anjos, a acompanhá-la. Como num altar de ermida, Ando no teu coração; Para ti sou mais que a vida E trago o mundo na mão. Não sei de pais, em verdade, Mais pobrezinhos que os meus; Mas o amor dá divindade, E eu sou o filho de Deus!
Jaime Cortesão In Anunciação e Natal na Poesia Portuguesa, Antologia organizada por António Salvado

AMÁLIA – Um Filme

É já esta Quinta-feira que estreia o muito anunciado “Amália, o Filme”. Em cerca de duas horas de fita, o realizador Carlos Coelho da Silva procura esgrimir narrativa e visualmente o que os argumentistas Pedro Marta Santos e João Tordo sintetizaram da aturada investigação feita sobre a vida da artista consensualmente mais popular e representativa do nosso fado. Sabendo-se, muitas vezes pelas palavras da própria, que Amália não se considerou, na totalidade da sua vida, uma mulher feliz, não é de estranhar que a obra explore incisivamente uma componente dramática. Diga-se, porém, em abono da verdade, que a fita está longe do “dramalhão” que uns anunciam e outros temem, conseguindo-se um razoável equilíbrio nos registos em que a obra se inscreve. Ainda assim, em termos da força do seu contéudo, a opção pela sequência de vários momentos da história de Amália, dá muito mais lugar à componente amorosa – com os diversos homens que passaram pela sua vida e a influência que obrigatoriamente tiveram no seu decurso– do que propriamente à força que o dom, o prazer e até a necessidade da música teve ao longo da sua existência, incluindo como ponto de partida e chegada dos seus momentos mais e menos felizes. A obra chega mesmo a ser, em larga medida, um filme de actriz se tivermos em conta que é na estreante Sandra Barata Belo que assenta a sua melhor surpresa – embora um pouco mais de energia, até de rispidez, em certos momentos, lhe assentassem bem. Nas palavras da equipa que produziu e realizou o filme o grande objectivo foi mostrar Amália – Vida e Morte -, um princípio quanto a mim ambicioso de mais para o resultado superficial que a obra vem a ter no seu conjunto. De qualquer forma, retratar no cinema uma personagem como Amália, uma mulher sempre à beira de se deixar ultrapassar pelo seu dom e pela própria vida, nunca será tarefa fácil. Como qualquer outra equipa, a de Coelho da Silva fez as suas opções podendo nós apenas por enquanto reconhecer-lhe a coragem de arriscar trazer ao grande público a sua versão de tão tamanho vulto. Margarida Ataíde

A irmã - crise

Não sabemos bem se nesta crise o melhor é a gente fazer que entende alguma coisa do que se passa ou aceitar que ainda não sabe bem o que está a acontecer. Sobretudo porque os especialistas na matéria quanto mais falam menos esclarecem. E para além das nuvens negras no horizonte ninguém conhece exactamente como será a tempestade. Por fora, entretanto, tudo parece normal. A cidade move-se, a publicidade impõe, o turismo convida, as prendas de Natal prometem, as festas e espectáculos cumprem. A vida roda para além das engenharias bancárias e financeiras e das piruetas dos barris de petróleo. Em que ficamos, afinal? A vida merece ser pensada. O ser, o ter e o haver precisam ser sacudidos para nos posicionarmos interiormente em novos ângulos que observem a realidade com menos ilusões, menos distorções de interesse, imediatismo, parcialidade. Talvez o grande mérito deste momento seja confrontar-nos com o que estamos a edificar. Não para lançar anátemas sobre o nosso tempo, o nosso espaço, a nossa cultura e até a nossa forma de viver a fé Mas para, corajosamente, ensaiarmos no concreto o que já se vem sentindo como profecia subliminar do nosso tempo. Estamos desafiados no nosso quotidiano. Na energia, no ambiente, no desperdício, na alimentação, no gasto, na austeridade, no essencial, no supérfluo. E no sentido da vida. E da nossa relação com os objectos. Como nos novos clamores que nos chegam para um outro olhar sobre a justiça, a cultura, o desenvolvimento, a liberdade, a segurança, a evolução tecnológica, as potencialidades da ciência, o respeito pela terra, pela vida, pelas crianças e pelos idosos, as iniciativas de voluntariado, a serenidade ideológica que confere maior humildade para ouvir, aceitar, ousar a mudança no diálogo, no respeito pela pluralidade de expressões, culturas, artes, religiões. Para trás ficam séculos rígidos e desumanos de escravatura, pena de morte, injustiça silenciada, esmagamento dos mais fracos, sem recurso ou direito de protesto. O nosso tempo, não sendo um clube de santos, oferece novos horizontes. E os sobressaltos económicos e políticos também são profecia, sinal, desafio, apelo, coragem para mudar. Esta lição dura não pode reduzir-se a alguns escândalos que explodem em tempo de crise. Os factos não são novos. Apenas eram ignorados. E se nos organizássemos para uma reciclagem sobre a nossa vida, o nosso mundo, a economia, a terra, a água, a energia, a espiritualidade, o sentido da existência? Os vindouros dirão um dia que uma crise contribuiu para a mudança duma civilização. Mesmo sem entendermos tudo, temos condições para pensar o principal. E pôr em prática. Sei lá se Francisco de Assis não lhe chamaria irmã-crise. Os cristãos sempre chamaram ao tempo do Advento tempo de conversão. Não é tarde nem cedo. É a hora. António Rego