quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Novo esilo de organização: renovar ou reformar?


Numa palavra de ordem à Igreja em Portugal, o Papa assinalou a necessidade de mudar o estilo de organização da comunidade eclesial e a mentalidade dos seus membros. Só assim, acrescenta, a Igreja poderá caminhar ao ritmo do Concílio Vaticano II.
Esta recomendação vem muito a propósito e com marcas de urgência. Teremos de nos interrogar se este objectivo se procura por reformas ou por um processo de renovação.
É um facto que a Igreja, em alguns campos e aspectos, não se desprendeu ainda de formas e de estruturas que hoje mais dificultam a circulação da vida que a favorecem. As estruturas são um serviço à vida das pessoas e das comunidades. Por isso mesmo, são, por sua natureza, avaliadas periodicamente e substituídas ou renovadas, quando deixam de servir os objectivos desejados.
A Igreja está, em nome do Deus em que acredita e da Mensagem que lhe foi confiada, ao serviço das pessoas, construindo comunidades, animadas pela graça de os seus membros se sentirem uma família nova de filhos e de irmãos. Quando a vida das pessoas muda ou as mudanças sociais dão origem a novas culturas, nas quais se alteram valores, critérios e modelos de vida, logo tem de surgir a interrogação sobre os novos caminhos a abrir e percorrer para melhor se poder servir. De outro modo, a Igreja fica fora do tempo e começa a funcionar e a gastar as suas melhores energias em função de si própria e não daqueles aos quais é enviada. Fica assim em causa a sua condição de servidora do Evangelho de Cristo, uma Boa Nova nunca esgotada, nem envelhecida, e sempre necessária, para que as pessoas vivam e comuniquem segundo a dignidade que lhes é própria e, pelas relações mútuas, exerçam o seu protagonismo de construtores responsáveis de uma sociedade humanizada e fraterna.
Séculos houve em que, no aspecto religioso, o campo invadiu a cidade e aí assentou arraiais com formas de vida e de acção eminentemente rurais. As paróquias são estruturas rurais na sua origem e medievais na sua óptica e concepção.
Numa sociedade estática, na qual a cidade não era senão um campo alargado onde vivia um maior número de gente rural, a estrutura territorial ajudava a coesão por via da delimitação de fronteiras e da concretização de tarefas religiosas. Os leigos em geral não eram mais que membros passivos da Igreja que dela recebiam a Palavra e os Sacramentos. A eles mais não se pedia que a ajuda material.
De depressa, por motivos ridículos, se foram gerando bairrismos e conflitos. Muitos destes ainda perduram sensíveis a formas novas que se pretendam implementar.
Pela explosão das ordens religiosas, ao tempo com clero mais abundante e preparado, foram surgindo no tecido religioso alguns quistos, que não favoreceram e ainda hoje nem sempre favorecem a renovação desejada.
O mundo das pessoas mudou nas suas expressões, objectivos e relacionamentos e as fronteiras territoriais amoleceram, no sentido da coesão e até da expressão comunitária. O urbanismo, como pensamento e expressão de vida, invadiu o que restava de mundo rural. A mobilidade cresceu pelas mais diversas razões e é hoje expressão normal da vida de muita gente.
Democratizaram-se a vida pública e os regimes políticos, a escola e as relações pessoais; alteraram-se os valores tradicionais e multiplicaram-se as fontes de informação, com manifesta influência nos ideais de vida e nos comportamentos pessoais e colectivos. De repente, tudo mudou. Porém, algumas estruturas eclesiásticas, nomeadamente as paróquias, mas não só, perduram neste século XXI, embora com algumas reformas, com o colorido de formas estruturais de séculos longínquos. A palavra de ordem passou, por isso mesmo, a ser outra: Tempos novos, novas formas de acção pastoral e de expressão apostólica.
Esta reflexão, que vai continuar, pretende ser uma ajuda operativa ao apelo do Papa.


António Marcelino
Foto: Padres conciliares

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Na Linha Da Utopia



SOCIEDADE CIVIL

1. A vivência da sociedade civil é o reflexo dos níveis de desenvolvimento que se atinge. Um corpo social dinâmico e todo responsável pelo que é de todos, eis o espelho claro de uma liberdade bem entendida e de uma correspondente democracia justamente amadurecida. Sempre a favor de tudo quanto é bom para o bem comum (das pessoas), sempre com todos os actores do tecido social que cooperam com essa presença e proposta de uma sociedade civil não adormecida mas construtiva.
2. Normalmente, na busca do equilíbrio referencial, falar-se de sociedade civil remete-nos para uma plataforma comum onde a vida da “classe média” representa essa dinâmica criativa ou a sua ausência indiferente. Assim sendo, tanto as revoluções históricas reflectem essa insatisfação da grande maioria de cidadãos (na sua negação da dignidade e direitos), como nas situações de pobreza extrema dificilmente se consegue vislumbrar uma réstia de expectativa transformadora.
3. Mas, que considerar quando os bens essenciais parecem garantidos e a indiferença generalizada substitui a energia interventiva? O facto de em alguns países europeus o voto eleitoral ser obrigatório (como na Holanda) reflecte essa passividade, que faz pensar (?), das terras da liberdade. Também para nós portugueses, como compreender e desenvolver mais as potencialidades (e que esperar mais) de uma sociedade civil que se reconheça (como centro da vida) em que a preocupação pelo “pão de cada dia” sobreocupa o tempo social?
4. O desenvolvimento (integral) dos povos e a consolidação dos valores fundamentais, hoje, reclama o aprofundamento desta ideia chave de uma sociedade que vive a civilidade como compromisso social. Numa visão sem antípodas (ou, ou), estes são sempre o reflexo de subdesenvolvimento reflexivo. Uma civilidade de pessoas livres, numa liberdade que integra as linhas referenciais (de ética comum) dos dignos estados.
5. Uma certeira perspectivada sociedade civil em que ninguém se põe no lugar dos outros, nas onde todos (pessoas livres e estados co-responsáveis) cooperam em ordem à plena realização pessoal e social. Quando se pede aos Estados para resolver todos os problemas da sociedade (de todos), ou quando as liberdades não conseguem integrar os referenciais pluralistas “qb” (dos poderes públicos) em ordem à realização da vida em sociedade, ou, ainda, quando os Estados se querem sobrepor forçadamente às pessoas optando por elas… será porque haverá muito que caminhar em termos de sociedade civil, de modelo civilizacional.
6. Esta sociedade civil, quando está morta ou é indiferente às questões do bem das pessoas, gera a anemia social (somos na letra, mas não somos na realidade!), normalmente permeável ao avanço do que menos interessa ou à fácil (im)posição. Precisamos de uma sociedade civil mais atenta e comprometida (que pense consequentemente as questões da família, do trabalho, da educação, escola, ambiente, …)? Sim, sempre!


Alexandre Cruz

ARES DO OUTONO





TORREIRA
Os sinais do Outono são bem visíveis na Torreira. Praia deserta, que o frio já incomoda, e há mais que fazer nesta altura do ano. Mas um passeiozinho por ali, mesmo de fugida, vale sempre a pena.

POR CAMINHOS JÁ ANDADOS


De todos é sabido que o Seminário dos Olivais nos seus 75 anos de existência, foi um marco para o país. Um marco e um sintoma. Vinte e seis antigos alunos e professores, distanciados das celebrações oficiais (e a maior parte fora do exercício sacerdotal) decidiram juntar fragmentos de memória e reunir descompassadamente histórias e reflexões que tiveram a ver com os itinerários pessoais e comunitários numa casa comum. Assim se construíram análises híbridas de afecto e crítica, muitas vezes na óptica dos caminhos percorridos por cada um. Mas reconheça-se a importância deste livro - será livro, na sua desarrumação despretensiosa e eloquente, reveladora talvez das turbulências do tempo a que se refere? É escrito a quente quarenta anos depois da maioria dos factos. É livre porque não enferma do mais pequeno pendor apologético. É útil porque recapitula factos que podem ajudar a ler um tempo rico e complexo. É grato, porque reconhece ao Seminário um lugar privilegiado no terreno da cultura, da fé, da espiritualidade, mesmo nas encruzilhadas da dúvida e da contestação. É útil porque recapitula gestos proféticos de mestres que fizeram a heróica travessia de Trento para o Vaticano II, em particular no campo da liturgia. É pedagógico porque ensinará aos mais novos que o projecto vocacional de Deus está para além de todos os formatos. É um sinal do Espírito porque transpõe todas as atrapalhações em que a mudança dos anos sessenta foi envolvida. É útil à Igreja e ao mundo porque grande parte dos fenómenos ultrapassam os muros do Seminário, se ligam a uma Igreja universal onde muito de semelhante acontecia. Mergulha no próprio mundo que, sem se aperceber, anda na barca onde navegam crentes e não crentes, leigos, consagrados e abúlicos.
Muito interessante seria se outros Seminários do país contassem a sua história e histórias para todos melhor entendermos os tempos que vivemos, as exigências do mundo, a vocação prioritária da Igreja, o confronto das laicidades e dos laicismos. Há caminhos já andados de que importa tirar lições. Com os vivos, enquanto é tempo, mesmo com as ópticas que cada um oferece à história a partir da sua história. Ver-se-á, ao fim e ao cabo, que os tecidos do Espírito vão juntando fios de aparente incompatibilidade e luz duvidosa no momento em que acontecem. Mas fazem, irmanados com todos, a história da salvação.


PS - O nome certo do livro é “POR CAMINHOS NÃO ANDADOS”.

António Rego

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Maria José Senos da Fonseca

FALECEU UMA LUTADORA PELA CAUSA DOS MAIS POBRES
Soube hoje do falecimento de D. Maria José Senos da Fonseca. O seu funeral, em Ílhavo, foi, decerto, uma manifestação de respeito e admiração por uma mulher determinada que, à causa dos mais desfavorecidos, deu uma vida cheia de lutas, de canseiras e de preocupações, nem sempre bem compreendidas e nem sempre bem apoiadas. Ao nível da solidariedade social, na sua expressão mais genuína de uma entrega total aos outros e sem vínculos religiosos, que não são fundamentais para fazer o bem, foi um exemplo de inconformismo perante a situação de pobreza de muitos dos seus e nossos conterrâneos. Teimosamente, com uma capacidade de trabalho capaz de mover montanhas, estava continuamente, no dia-a-dia, à procura das melhores respostas para os mais pobres dos pobres, carentes de toda a ordem, deficientes, vencidos da vida, marginalizados, sem nunca mostrar cansaço face aos desafios que teimava em ultrapassar, nem que para isso tivesse de gritar bem alto a sua indignação perante a passividade de muitos. A instituição que fundou e durante muitos anos dirigiu, o CASCI (Centro de Acção Social do Concelho de Ílhavo), procurou instalar-se, quantas vezes de forma inovadora, nas zonas mais frágeis da nossa sociedade, mexendo, com larga visão de futuro, nos mais diversos departamentos estatais, com quem estabeleceu parcerias que mostraram a rara intuição de quem estava atenta ao mundo em que se movimentava. Sempre nutri por esta senhora, de personalidade muito forte, uma admiração muito grande. Senti, por isso, a sua morte, como grande perda para o concelho de Ílhavo. No entanto, resta-me a certeza de que o seu exemplo, tenaz, abnegado e atento a quem mais sofria, deixou frutos que a hão-de continuar entre nós. Fernando Martins

NA LINHA DA UTOPIA

Afinal, que renovação da Igreja em Portugal?
1. Eis a questão! Depois da visita dos bispos à sede (da unidade) romana, após uma semana de “ecos”, uns mais entusiastas que outros, alguns (primários) demonstrativos do não entendimento destas “realidades”, outros (na reacção ou de “mãos atadas”) defensores de uma serenidade descomprometida, a pergunta sobre o futuro continua… A resposta será mais complexa que um “pedido” de renovação, como se esta significasse o retorno das multidões ou uma ordem de importância das coisas do mundo. Também seja dito, a fundamental aposta nas “razões da fé” de Bento XVI precisa da sua correspondência nas questões fundamentais da Igreja para o séc. XXI. Ou nestas (problemáticas) afastamos a razão? 2. Naturalmente, a renovação desejada passa pelo “fermento” na massa, pelo “sal” na comida, pelo sentido de dignidade divina a proporcionar à história humana, num horizonte de diálogo ecuménico, inter-religioso e intercultural… sendo certo que a ordem das realidades da comunidade Igreja não podem ser lidas com critérios meramente humanos. Se dos documentos desse encontro com o Santo Padre nos vem uma visão de Igreja (ainda) clerical e por isso de necessária renovação estrutural (de todos os que se dizem de “cristãos”) à luz do Concílio Ecuménico Vaticano II (1962-65), o entender (a atender) deste “pedido”, só pode, pressuporá o seguir o exemplo renovado que vem de cima… Como vamos de renovação em Roma? Na evidente reciprocidade, a resposta a esta pergunta será (também) a resposta para a renovação das comunidades locais… 3. Felizmente já vão os tempos em que o “questionar” seria visto com olhos menos positivos. Hoje, o horizonte da liberdade cristã efectivamente comprometida levar-nos-á, em cada tempo histórico, a (re)definir o essencial das renovações em coerência evangélica… Neste ponto, seja dito, é um som difícil de captar, os apelos à renovação da voz de quem foi “fechando” o espírito da pluralidade do Concílio Vaticano II. Como compreender o apelo à renovação local diante da “limitação” por Roma do progresso das chamadas teologias locais (das Américas, da Ásia, de África), espelhada em múltiplos afastamentos de teólogos que por uma “parte” (de pensamento diferente) é-lhes fechado o “todo” do seu esforço de inculturação? 4. Enfim, nada de novo! Se a Igreja fosse uma “entidade” qualquer, podia-se compreender um apelo “dirigido” de renovação de quem (podendo) não renova a casa... Não é fácil, mas o primeiro passo será a abertura teológica às “questões”… Ao ser comunidade “discípula” toda ela, a Igreja, não consegue conciliar essa “falta”… Ou, será que, num pluralismo das comunidades locais, poderão os seus pastores avançar com renovações nos “ministérios”? Para já não falar nas urgentes renovações (aprofundamentos dogmáticos como renovação) de linguagem sobre a fé no mundo de hoje? Claro que se pode aplicar o refrão (conformista) de que a renovação começa pela base… Enfim! E quando esta, nas suas necessidades, colide com (ainda) uma ideia de unidade como uniformidade (em vez de pluralidade)? Ou será uma renovação para continuar (na mesma)? Já agora, na recente grande entrevista da Rádio Renascença sobre esta temática (só com três bispos), onde estavam os essenciais LEIGOS? 5. Vale a pena ler o livro do grande teólogo (na prateleira) Hans Kung, “Porque Sou Cristão?”. Deste(s), num espírito ecuménico e universalista nascerá o futuro. No encontro gratificante onde ninguém perde a identidade! (Ainda estamos aqui?…) Pelo contrário, aprofunda-se a essencialidade que nos une. O tempo o exige para ser possível a renovação em ordem ao FUTURO. (Enfim, tudo isto, nada de novo! Ou melhor, tudo sempre novo, na Pessoa divina que comanda este pesado Barco! Procurámos, numa forma de escrever, não dizer tudo o que tem sido dito, de que está tudo quase bem e que o mundo é que não entende… Temos mesmo de renovar! Mas, sem simplismos, não chega “remendo novo em pano velho”!)
Alexandre Cruz

domingo, 25 de novembro de 2007

Na Linha Da Utopia

UM MERCADO POLÍTICO?
1. A estratégia do líder da oposição, como resposta ao semelhante modelo de liderança governativo, tem dado azo ao catapultar do conceito de “empresa” para um universo social e político, quase universalizando a ideia de que tudo tem que dar lucro porque para tudo terá de haver um mercado. Já das últimas décadas, mesmo o fenómeno futebol, que lida com multidões, foi trazendo, de sobremaneira, à ribalta, essa obrigatória compensação de um popular investimento, a que se junta a conquista a todo o custo em palco de uma vitória sempre procurada, e onde, a certa altura, pouco importa o que acontece no meio, ou qualidade, do jogo. 2. No plano sociopolítico, o árbitro acabará por ser o critério. E este vai-se moldando ao jeito do melhor terreno para escolher o melhor ponto de partida rumo à vitória. Ver um partido político (que se julgava ser um espaço criativo e comprometido eticamente na visão de coerente proposta social) ao jeito da gestão de uma empresa (divinização da empresa?) significará centrar na lógica de mercado-lucro toda a visão de vida e da sociedade. No pressuposto da salvaguardada dignidade, nada temos a opor ao “mercado” quando ele representa o esforço da proposta concorrencial na base da qualidade… Mas, transferir tudo (e as ideias sociopolíticas especialmente) para a lógica de consumo não será o fim das ideias, ou fazer delas um negócio? 3. Neste cenário para que caminhamos (?) as ideias irão contar cada vez menos, e as lideranças provirão do laboratório fermentado da oportunidade estratégica, em vez de tudo brotar duma serena e profunda visão da vida experienciada e dos valores sociais que se buscam. São algumas, neste corredor da fama, as realidades que espelham a pequenez defraudada das ideias. Poderemos colocar neste escalão menos superior, por exemplo, muitas das linhas de pensamento-acção das juventudes partidárias? Serão estas, na essência, hoje, uma expectativa de potencialidades esfumadas? A liberdade, para uma igual dignidade humana (e de oportunidades), que nos trouxe ao presente, está a deixar-nos a meio do caminho, prisioneiros (agora pelo não andar das ideias) da quantidade (populista)? 4. Em Portugal, quando da expansão dos canais TV, esse “mercado” omnipotente trouxe-nos os maiores espectáculos da vulgaridade. Deu-se mais o que mais vendia! Na generalizada indiferença de uma possível sociedade democrática, democracia ao que parece estar a ser deixada só para o parlamento (que temos…), estaremos a caminhar para este beco mercadorista em termos sociopolíticos? Se de um lado do jogo são os números que reinam e do outro a resposta eleva a “empresa” como modelo de vida, que futuro social?! Antes do mercado, já havia (e há) pessoas. (E ainda - “Mercado”: Também como o regularmos “qb” se nos deixarmos comandar por ele?) Alexandre Cruz

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