sexta-feira, 22 de junho de 2018

S.O.S. cristãos (2)

Anselmo Borges

1 Penso que ficou bem clara na outra crónica com este título a dramaticidade da perseguição dos cristãos no mundo. Quando se fala em cristãos não se pense apenas em católicos ou protestantes, pois é preciso incluir as várias famílias do cristianismo: coptas, assírios, siríacos, ortodoxos de várias liturgias, sofrendo todas actualmente o estigma da cruz. Só mais um exemplo terrível, apresentado na obra de Pilar Rahola: os fiéis da Igreja Ortodoxa Siríaca, que remonta ao século I e falando uma variante do aramaico, a língua de Jesus, eram uns 500 mil no início do século XX no Curdistão turco, mas hoje não vão além dos dois mil e tudo indica que a sua erradicação total está para breve.

2 Porque são perseguidos os cristãos? O sociólogo Javier Elzo, em Morir para Renacer, avança com algumas razões. Em primeiro lugar, porque o cristianismo é a religião com maior número de fiéis no planeta: 2300 milhões, sendo os muçulmanos 1700. Foi num século, entre 1910 e 2010, que este crescimento se deu, em detrimento, não apenas percentual, da Europa. Este aumento fora do Ocidente é visto em alguns países como uma ameaça: por exemplo, a China e a Arábia Saudita vêem--no como perturbador dos seus regimes. Os cristãos, minoria religiosa, étnica, social e cultural, são vistos como adversários da ascensão social da população autóctone, como acontece na Birmânia ou na Índia. Os cristãos são considerados como ligados ao Ocidente, sofrendo o antieuropeísmo e sobretudo o antiamericanismo, nem sempre sem razões para isso (pense-se na invasão do Iraque...). "A presença dos cristãos que adoptem como lei moral o amor gratuito e universal, não só para com os seus, e que prefiram o martírio a abjurar do seu deus, o Deus que professam, o Deus revelado em Jesus Cristo, pode tornar--se insuportável."

3 E o silêncio do Ocidente? A maior parte das pessoas desconhece o drama, por falta de informação. A perseguição religiosa está associada sobretudo às cruzadas, à Inquisição, à colonização. Há, na expressão justa de J. Elzo, uma "exculturação social da religião" por parte de certa esquerda europeia. E o filósofo mediólogo Régis Debray foi certeiro, quando já em 2007, num congresso realizado em Paris sobre o futuro dos cristãos do Oriente, denunciou a situação: "Os cristãos do Oriente são o ângulo-morto da nossa visão do mundo: são demasiado cristãos para os altermundialistas e demasiado orientais para os ocidentalistas." Mas recentemente o presidente francês, E. Macron, levantou a voz: "Penso nos cristãos do Oriente. O político partilha com a Igreja a responsabilidade destes perseguidos, porque não só herdámos historicamente o dever de protegê-los como sabemos que em todo lado onde estão são o emblema da tolerância religiosa. (...) O futuro desta parte do mundo (Médio Oriente) não se fará sem a participação de todas as minorias, de todas as religiões e em particular dos cristãos do Oriente. Sacrificá--los, como alguns quereriam, esquecê-los é ficar certo de que nenhuma estabilidade, nenhum projecto se construirá de modo duradouro nesta região."

4 Segundo J. Elzo, "o islão radical é na actualidade o principal causador do ódio aos cristãos, embora não se deva esquecer que os primeiros que sofrem o ódio destes islamistas são outros muçulmanos, em nada fundamentalistas". Isto não significa que, se o radicalismo islamista desaparecesse, os cristãos encontrariam a segurança, pois há a Coreia do Norte, a China, os narcotraficantes latino-americanos...

De qualquer modo, neste contexto, o islão ocupa um lugar central. De facto, as condições do seu nascimento e da sua história configuram, como escreveu o grande islamólogo Rachid Benzine, uma realidade que não permite, frente à "acumulação de comportamentos bárbaros", repetir: "Tudo isto não é o islão." Como se "o islamismo nada tivesse que ver com o islão e o jihadismo fosse estranho à jihad", escreveu J. Birnbaum em Un Silence Religieux. J. Elzo conta que em 2004, no hall da Universidade de Deusto, Dalil Boubakeur, reitor da Grande Mesquita de Paris, lhe confessou: "Não se esqueça, professor, de que o islão nasceu no sangue, como muitas vezes esquecemos, nós, os muçulmanos." Depois do ataque às Torres Gémeas, o grande filósofo J. Derrida escreveu num livro publicado com outro grande filósofo, J. Habermas, Le Concept du 11 Septembre: "É preciso ajudar o que se denomina islão, o que se denomina árabe, a libertar-se de dogmatismos violentos. É preciso ajudar os que lutam heroicamente nesse sentido a partir do interior."
O diálogo exige reciprocidade. E repito sempre: há duas condições essenciais para a paz entre as religiões: a leitura histórico-crítica dos textos sagrados e a laicidade do Estado, mais difíceis para o islão.

5 No meio desta situação dramática, há histórias como esta, tão comovente como carregada de esperança, contada pelo Papa Francisco a 22 de Abril de 2017, na Basílica de São Bartolomeu em Roma, numa liturgia da palavra em memória dos novos mártires dos séculos XX e XXI, com a Comunidade de Santo Egídio: "Quereria hoje acrescentar mais um ícone a esta igreja. Uma mulher. Não sei o nome dela. Mas ela olha do céu para nós. Estava eu em Lesbos, saudando os refugiados, e encontrei um homem de 30 anos, com três filhos. Olhou para mim e disse-me: "Padre, eu sou muçulmano. A minha mulher era cristã. Os terroristas chegaram ao nosso país, olharam para nós e perguntaram-nos qual a nossa religião e viram-na a ela com o crucifixo e disseram-lhe para o atirar ao chão. Ela não o fez e degolaram-na diante de mim. Amávamo-nos muito!" Este é o ícone que trago como presente para aqui. Não sei se este homem ainda está em Lesbos ou se conseguiu ir para outro lado. Mas este homem não tinha rancor: ele, muçulmano, tinha esta cruz da dor carregada sem rancor. Refugiava-se no amor da mulher, salva pelo martírio."

Anselmo Borges no DN 

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