sábado, 4 de junho de 2016

Mulher não chores. O teu filho vai reviver

Reflexão de Georgino Rocha


Jesus toma a iniciativa e aproxima-se de Naim, a cidade das delícias. É este o seu modo de agir: Ir aonde as pessoas se encontram, entrar em sintonia com as situações que vivem, fazer suas as alegrias e as tristezas que espelham, deixar-se envolver pelo “ar” circundante que se respira e intervir coerentemente. Com ele, vão os discípulos e a multidão que o acompanhava. Anima-o o gosto pela missão, a esperança de anunciar o projecto de vida que Deus Pai lhe havia confiado, a vontade positiva de aproveitar as oportunidades contrastantes que surjam para mostrar a novidade de que é portador.
Da cidade das delícias, significado original de Naim, sai um cortejo fúnebre. Um jovem vai a sepultar. A mãe, pobre viúva, chora visivelmente forçada pela convulsão das emoções. Com a morte do filho vê acabar toda a sua esperança, pois nada mais lhe restava. Fechava-se, de vez, o desejo apetecido de ver a sua posteridade, sinal de bênção divina. Ficava exposta ao que ocorrer, pois não havia qualquer protecção social. Era a morte de todos os seus sonhos. São lágrimas sentidas que fazem vibrar o coração de Jesus.
“O próprio Jesus, confessa o Papa Francisco n’ «A Alegria do Amor» 254, se compedeceu e chorou no velório de um amigo (cf Jo 11, 33.35). E como não compreender o lamento de quem perdeu um filho? Com efeito, «é como se o tempo parasse: abre-se um abismo que engole o passado e também o futuro…». «A viuvez é uma experiência particularmente difícil». Sobretudo quando há leis discriminatórias e infamantes, preconceitos interiorizados e atitudes vexatórias.
Atento especialmente às situações de sofrimento profundo, Jesus assume uma atitude singular, típica de quem é compassivo e misericordioso. Atitude exemplar que Lucas, o narrador do encontro, apresenta de forma pedagógica bela em passos sucessivos: Ao vê-la; compadeceu-se; e disse-lhe: não chores; aproxima-se e toca no caixão; o cortejo pára; dirige-se ao defunto e ordena: Jovem, levanta-te; este obedece, senta-se e começa a falar. Jesus entrega-o à mãe, brindando-a com o melhor dom da vida.
Certamente que a dor sofrida, a expectativa germinada e a paciência confiante são colmatadas com este final feliz. A alegria terá sido incontida e contagiante. Lucas, mestre na arte de narrar, deixa em aberto o desfeixo da cena para que o encontro fale por si e seja memória abençoada do agir pastoral de Jesus. Não diz palavras à distância nem manda recados. Não espera conhecer a mulher e o que provocou a morte do jovem. Não teme os comentários resultantes do seu gesto ousado. Impelido pelo amor de serviço, age com determinação e eficácia.
Dois cortejos se encontram: o da vida que percorre os caminhos das aldeias e povoados a semear esperança nos corações atribulados, a afirmar o valor da dignidade dos esquecidos e desconsiderados, a garantir que outro mundo é possível, a testemunhar o valor da misericórdia compassiva. E o cortejo da morte que sai da cidade das delicícias passageiras e se dirige para o cemitério local onde ficarão sepultados os restos mortais prestes a desfazerem-se em pó. Cortejo de lágrimas sentidas, de sonhos desfeitos, de emoções sofridas. Cortejo de desilusões amargas, de experiências negativas, de aspirações frustradas. Cortejo espelho de famílias desfeitas, de jovens sem futuro, de trabalhadores sem casa nem pão, de crianças esquecidas e violentadas, de idosos sem apoio nem carinho, e de tantas outras situações que, ao longo da história, fazem chegar o seu “eco” àquele célebre encontro de Naím.
Jesus dirige-se à viúva, ao filho. Estabelece uma relação pessoal. Não os considera como mais um número da multidão. Sintoniza com o tormento que os aflige, com o drama que se abateu sobre eles. E sabe tirar partido. Mostra como a morte é semente de vida e o infortúnio traz consigo a oportunidade de bem-fazer e de ajuda solidária, de criar novas formas de convivência. Oportunidade de mergulharmos em nós mesmos. E tudo isto nos caminhos da vida.
Tagore, poeta e romancista indiano, reconhece esta rica possibilidade e afirma a sua convicção de que “pelo caminho vou com a multidão, mas quando caminho termina, é então que me encontro sozinho conTigo”. Bela confissão de fé alicerçada no encontro pessoal. Como aconteceu em Naím. E pode surgir agora. Aproveita o tempo. Vive a oportunidade.

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