«É uma luz que me acaricia, uma série de cinzentos que
entram uns nos outros e desmaiam, apanham não sei que claridade e ficam
absortos e quietos, ou criam nova vida e
recomeçam uma gama de tons que faziam o
desespero dum pintor, porque a paisagem a esta luz extraordinária ganha
sombras, variedade e frescura que os pincéis não sabem reproduzir…»
Raul Brandão,
in “As Ilhas
Desconhecidas”
Pus pé em terra do anticiclone no princípio da tarde de ontem, graças aos
desafios do meu João Paulo e à generosidade da minha Aidinha. Ameaças de chuva
e mau tempo não perturbaram o nosso desejo antigo de conhecer os Açores, que
Raul Brandão, quase há 100 anos, descreveu com arte e realismo. Hoje será muito
diferente, mas os tons cinzentos entrecortados pela claridade que as nuvens frequentemente
filtram e emprestam tonalidades novas a quem chega, como foi o nosso caso, meu
e da Lita, enchem-nos a alma e preenchem
uma lacuna na nossa sensibilidade.
O João, à chegada, informa que já nos viu por um frincha do aeroporto de Ponta Delgada.
Apressados, fomos degustar o bife num restaurante especialista na área dos bifes de vaca, carne saborosíssima do gado açoriano. Gado
famoso, diga-se de passagem. E corremos para conhecer ao vivo a paisagem do mar
da ilha de São Miguel, sem areia branca,
mas com sinais de quem sabe criar espaços marinhos para tonificar o corpo com
sol e maresia, em piscinas naturais que
abundam por aqueles sítios. As primeiras impressões cativaram-nos pela originalidade das baías, pelas ondas que desafiam surfistas
, pela tonalidade negra das pedras que nos propõem desafios no equilíbrio necessário para quem
deseja aproximar-se do ocenano. E com a arquitetura do casario, das igrejas
construídas em locais estratégicos para anunciar o transcendente aos habitantes tantas vezes tão afastados do
mundo, mais as ruas estreitas a indiciarem antiguidade, mais nos sentimos
entusiasmadas e com ânsias de nos próximos dias, então mais afastados das águas que rodeiam a ilha, nos cruzarmos com outras paisagens.