quarta-feira, 4 de julho de 2012

Bispos não são ornamento

Um forte sentido de pertença
Por António Marcelino


«A Igreja Diocesana não é uma empresa de eventos. É uma comunidade fraterna viva, com uma missão espiritual e humanizadora concreta, no seio da comunidade humana. Um mundo em mudança, e plural nas suas diversas expressões, tem exigências pastorais novas que não se podem ignorar ou iludir, muito menos reduzir a ação a conservar o já existente. O bispo, com os seus colaboradores, é uma sentinela vigilante que lê os sinais dos tempos, mas, acima de tudo, é um coração sensível às inúmeras necessidades emergentes, que o levam, em comunhão eclesial, à promoção contínua de uma ação pastoral orgânica e adequada, em clima sinodal, ou seja, realizada por todos e com lugar para todos.»

Na vida de um bispo diocesano há gestos simples e de grande significado que enternecem pelo que significam. Muitas vezes, em Fátima, do meio da multidão, ao passar o cortejo rumo ao altar, vi gente que sorria, saudava e comentava, a modo de se ouvir: “Aquele é o nosso!”
Ao comentar o decreto no que se refere ao bispo diocesano, logo se diz que o bispo exerce o seu ministério de pastor e testemunha de Cristo, em favor dos cristãos que lhe foram confiados, os membros da sua diocese. Estes são gente concreta, situada, com a sua história, membros de uma comunidade cristã, também ela com história, no seio de uma comunidade humana. O pastor conhece as suas ovelhas e eles conhecem-no. Este elemento humano de uma relação direta e pessoal é que vai ajudar a perceber a teologia do bispo e a sua missão da diocese.
O decreto conciliar (CD – “Cristo Senhor”) diz que “a diocese é a porção do Povo de Deus confiada a um bispo para a apascentar com a cooperação do presbitério, de forma que, unida ao seu pastor e por ele congregada no Espírito Santo, pelo Evangelho e pela Eucaristia, constitua uma Igreja particular, em que esteja verdadeiramente presente operante a Igreja una, santa, católica e apostólica de Cristo”. Quando os cristãos de uma diocese exprimem, espontaneamente, a sua pertença à diocese, ao verem o seu bispo, é sinal que o aceitam como seu ou para si. Pode dizer-se que não há diocese sem bispo, nem bispo sem diocese, ou seja, bispo sem irmãos, sem fiéis. 
Há, ainda hoje, na Igreja, ficções inexplicáveis, como dar aos bispos auxiliares, como antes do Concílio aos que deixavam o governo diocesano, o título de velhas dioceses extintas. Se são bispos ao serviço de uma diocese concreta e para ela nomeados, porque hão de estar atrelados a dioceses inexistentes, como se fossem bispos de ninguém? A partir do Vaticano II, os bispos diocesanos, que por idade ou falta de saúde deixam o governo diocesano, agora chamados eméritos, mantêm, com toda a razão, o título da diocese que serviram e continuam a servir. Os títulos de dioceses mortas parece, então, que apenas se explicam, eu não vejo outra razão, para os clérigos de carreira, como os núncios e os que servem em cargos da Cúria Romana e que prestígio do cargo, devem ser bispos ou arcebispos. Eles não têm, e alguns nunca terão, responsabilidades numa diocese. Podemos, com razão, perguntar por que se mantêm, na Igreja, bispos sem diocese? O episcopado não é prémio, nem ornamento. A teologia diz que é missão de pastoreio concreto de uma porção do Povo de Deus. 
Não obstante o que se diz no decreto conciliar, há ainda problemas, teologicamente não resolvidos ou mal resolvidos, em relação aos eméritos, aos auxiliares e aos bispos sem diocese. Aos auxiliares, alguém chamava “árbitros sem apito”. Acompanham e são protagonistas no jogo da vida pastoral, mas não podem apitar, a não ser que o bispo diocesano faça com eles uma unidade corresponsável. Anos atrás, e já depois do Concílio, um serviço mais lúcido da Cúria Romana recomendava aos bispos diocesanos que evitassem pedir bispos auxiliares e se fizessem ajudar por vigários gerais e episcopais. A recomendação parece ter caído, sem deixar rasto. Não é difícil saber porquê. Há sempre razões para ouvir os grandes. Há bispos, entre nós, que continuam com trabalhos que tinham antes e que outros podem realizar. A missão exigente do bispo pastor não consegue justificar esta situação. 
O problema das dioceses, províncias eclesiásticas e conferências episcopais merece, com base no Vaticano II, uma reflexão própria. 
O bispo que preside à diocese tem o dever de exercer o magistério doutrinal, de propor a verdade revelada e a doutrina do magistério oficial, de atender aos desvios possíveis em matéria de fé e de moral, de adequar a ação pastoral à realidade humana e social, de promover a evangelização a favor de todos, de proporcionar meios de formação e santificação acessíveis. Em espírito de serviço, estimulará o legítimo e indispensável apostolado laical, estimulará e recorrerá aos movimentos apostólicos, testados e aprovados, dando maior atenção aos que atuam junto dos mais afastados e marginais à comunidade cristã. Deverá abrir sempre aos horizontes da missão e da partilha, promovendo vocações para o serviço da Igreja diocesana e das outras Igrejas irmãs. Recomenda o Concílio que, mantendo o bispo uma autonomia em relação ao poder civil, expressa em liberdade e em independência, esteja, no entanto, aberto à colaboração com todos, nas causas que possam servir as pessoas e o bem comum. 
Ao bispo compete organizar os serviços da cúria diocesana, de modo a melhor ajudar a diocese a caminhar em unidade e verdade. Fá-lo com a cooperação alargada do clero, dos consagrados, religiosos e leigos, do laicado em geral e seus movimentos e associações. A Igreja Diocesana não é uma empresa de eventos. É uma comunidade fraterna viva, com uma missão espiritual e humanizadora concreta, no seio da comunidade humana. Um mundo em mudança, e plural nas suas diversas expressões, tem exigências pastorais novas que não se podem ignorar ou iludir, muito menos reduzir a ação a conservar o já existente. O bispo, com os seus colaboradores, é uma sentinela vigilante que lê os sinais dos tempos, mas, acima de tudo, é um coração sensível às inúmeras necessidades emergentes, que o levam, em comunhão eclesial, à promoção contínua de uma ação pastoral orgânica e adequada, em clima sinodal, ou seja, realizada por todos e com lugar para todos.

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