terça-feira, 8 de novembro de 2011

Eles correm para se sentirem vivos




A NOSSA MARATONA
José Tolentino Mendonça 

  No meio daquela multidão cada um se sente, de repente, radicalmente só, ferido pela dor, provado por uma incógnita que não oferece tréguas
Acho que todas as vidas, mais longas ou mais breves, têm o mesmo comprimento: medem todas quarenta e dois Kms. Porquê? Por que essa é a extensão de uma maratona. Repito: se a vida se parece com alguma modalidade, penso que não anda longe dessa corrida bela e interminável que de uma maneira evidente coloca em prova a resistência, a esperança e a vontade. Hoje vi passar uns largos milhares de corredores e dei comigo a pensar no que faz estas pessoas correr. Não falo dos atletas profissionais que têm aí uma expressão importante da sua vocação e do seu talento. Falo destes milhares de mulheres e de homens comuns, que ao longo de um ano arranjam com esforço um tempo livre para os treinos necessários e que anualmente acorrem à maratona não para competir uns com os outros, mas talvez por alguma razão mais profunda, que nos endereça para zonas silenciosas do nosso próprio coração. Eles correm porquê? Muito simplesmente para se sentirem vivos ou a reviver. Para se lançarem a si próprios um desafio. Para sentirem, de forma mais palpável, que as múltiplas corridas em que quotidianamente se embrenham (em que nos embrenhamos) convergem para uma meta.
De que a maratona é uma parábola da vida não restam dúvidas quando ouvimos um maratonista descrever a sua experiência. O arranque, com o entusiasmo e a quase euforia. Depois a comunhão com os outros corredores e com o público que assiste. As palmas tornam-se um encorajamento e as palavras de confiança um redobrar da confiança própria. Nesta etapa nem se sente o chão e cada corredor como que levita. Diz quem sabe que as coisas mudam mais ao menos ao Km vinte e cinco. O desgaste físico e as primeiras incertezas trazem um abatimento interior inesperado. No meio daquela multidão cada um se sente, de repente, radicalmente só, ferido pela dor, provado por uma incógnita que não oferece tréguas. “É a primeira crise?”- perguntamos. Um maratonista ri-se e dirá que daí para a frente é só crises. E, por isso mesmo, ele tem a cada momento, na adversidade, de restaurar a possibilidade da esperança. A confiança não é um garantido seguro, mas uma marcha no aberto, para não dizer no desprovido. E, verdadeiramente, os corredores vacilantes que cruzam a meta não se podem queixar. A primeira parte desta maratona, por exemplo, era feita por mulheres e homens em cadeiras de rodas, e muitos deles não tinham pernas.

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