VÓS SOIS TODOS IRMÃOS
Georgino Rocha
A prova está feita e a conversa acabou. Os diálogos não resultaram. A tensão era crescente. E a provocação que os desafios colocavam acaba por alcançar o seu objectivo: a eliminação do Nazareno era inevitável. Jesus sabia-o perfeitamente. Por isso, abre o seu coração e desabafa com os discípulos e a multidão. Diz coisas tremendas dos responsáveis do templo e dos mestres do povo, coisas que a comunidade de Mateus certamente avoluma, anos mais tarde quando o confronto adquire novos contornos.
Jesus reconhece a autoridade dos letrados escribas e fariseus no conhecimento da lei. E aconselha a que sejam escutados nos seus ensinamentos, a que sejam considerados pelo que dizem como mestres que se sentam na cátedra de Moisés. Com efeito, gozavam oficialmente, de grande sabedoria e de enorme prestígio e influência, pois sentar-se nesta cadeira era tomar parte na missão de quem, em nome de Deus, dera os mandamentos da aliança ao povo. Grande conselho que Jesus dá: apreciar quem sabe, reconhecer a fonte da autoridade, estar atento ao modo como esta é exercida. A ignorância, o menosprezo, a indiferença, e tantas outras atitudes que ainda hoje se verificam, não espelham o melhor da nossa humanidade e vão cavando o fosso da insociabilidade.
Quanto caminho temos a percorrer para sermos coerentes com esta recomendação de Jesus!
O reconhecimento é seguido de uma séria diatribe e cáustica denúncia: a incoerência ostensiva. Sabem, dizem, impõem a outros “fardos” pesados, mas ficam-se por aí. De prática, nada! Pelo contrário, aproveitam-se do estatuto oficial e exibem-no em público das mais diversas maneiras para beneficiarem do prestígio de que está revestido. “Jogam” na imagem, na aparência, no “marketing” publicitário e sedutor. Também aqui a verificação do Mestre de Nazaré é actualíssima. A cultura da imagem impõe-se de forma avassaladora. Quem lhe escapa?! O culto da personalidade – que frequentemente oculta a realidade – está em alta no mercado da cotação social. O discurso fácil e a escrita ligeira, também. Na sociedade. Na Igreja. E em tantos outros âmbitos de vida. E o senso popular vem repetindo há séculos: “palavras sem exemplo são como tiros sem balas”. Mas parece que há ouvidos moucos!
“Não seja assim entre vós” – exorta taxativamente Jesus os discípulos e, por eles, a multidão. O contraste é significativo. Em vez da discriminação, a fraternidade; da vontade de impor e dominar, o serviço humilde e constante; da busca da aparência, a realidade sadia; dos títulos e honrarias, a simplicidade disponível; da nobre linhagem ascendente, a fonte originária de todos os bens e de todas as criaturas: Deus Pai/Mãe.
Que consigna mais expressiva e que antítese mais eloquente! Ir à nascente para encontrar a limpidez das águas cristalinas e não se deixar prender por meias verdades inconsequentes; afirmar a igualdade, não por convencionalismos históricos, mas pela raiz comum; garantir a fraternidade, não apenas pelos vínculos de sangue ou de etnia, nem por gostos de pertença ou laços de vizinhança, mas sobretudo pela dignidade advinda da filiação de todos em Deus; enaltecer a liberdade, não para pôr e dispor arbitrariamente, mas para servir melhor com amor de doação e, assim, ser realmente o maior.
Esquecer Deus é ofuscar a beleza da p/maternidade humana e deixar criar um vazio de orfandade na família e na sociedade. Tê-lo presente e actuante, ainda que discretamente, é dispor de uma seiva revigorante que fortalece a nossa família comum e reforça a união solidária de toda a humanidade. Menosprezar a fraternidade é desfigurar o ser humano chamado a ter rosto próprio, distorcer a sociedade e anular a escala de valores em que deve assentar a convivência humana e a construção do bem comum.