(...) mais que um enfraquecimento económico, foi debilidade de alma com dependência viciosa da banalidade, mau gosto, futilidade de vida e perda de valores humanos e patrimoniais.
E cada vez mais se vão vendo e ouvindo notícias, debates, declarações, sentenças avulsas, sobre uma crise que desaba sobre todos, e onde todos parecem querer fugir na hora de assumir gestos concretos para a solução. Os verdadeiramente pobres já não sabem que dizer e fazer. Os chamados ricos não sentem alteração apreciável. Tal como está a impatrialidade do dinheiro, facilmente se arranja um colchão anónimo em qualquer recanto do planeta e aí se faz descansar em paz os milhões, escapando ao mais rigoroso sistema fiscalizante. Assim ignoram a crise dos outros aquietando a consciência com doações ou fundações que pouco remendam os andrajos ou saram as feridas. A crise, mais cedo ou mais tarde, vai passar e tudo continuará como dantes.
O novo discurso parece centrar-se agora naquilo a que se chama a classe média. No presente contexto não se sabe bem o que seja, mas deve tratar-se de novos pobres que já foram quase ricos e se sentiram ludibriados pela publicidade, pelos empréstimos, pelos juros, pelas promessas, pela ascensão social que deu carro de luxo, muitos topos de gama, vivenda, piscina, decorador, alfaiate, segundo carro, segunda casa e uma infinidade de quinquilharias de marca que nada têm a ver com saúde, cultura, qualidade de vida ou dignidade. Foi uma espécie de volúpia do pequeno e grande luxo, o culto do supérfluo, o estatuto social como alvo primordial da vida. Tudo isso, mais que um enfraquecimento económico, foi debilidade de alma com dependência viciosa da banalidade, mau gosto, futilidade de vida e perda de valores humanos e patrimoniais.
É essa classe média que está ameaçada?
Há muito ferro velho ou plástico ou plasma que é preciso deitar fora. E se a crise ajudar a essa depuração num regresso ao essencial, acaba por ser benéfica.
Porventura pouco interessa que tudo passe para voltarmos ao mesmo. Todas as classes precisam fazer uma reflexão mais que económica. Como dizia Bento XVI no voo de Roma para Madrid ‘a economia não pode funcionar apenas com uma autorregulação mercantil mas tem necessidade de uma razão ética para servir o homem.’ O pão de cada dia é sagrado em qualquer mesa. É mais que um objeto, é imagem do próprio coração do homem.