Baptismo e vivência
da Páscoa
da Páscoa
António Marcelino
Os jornais falaram, nas últimas semanas, de pedidos pessoais de alguns cristãos que se tornaram ateus e já não querem ser baptizados. Por isso, exigem que os seus nomes sejam retirados dos livros oficiais da Igreja. Aqui há anos eram emigrantes na Alemanha que, para não pagarem o imposto de religião, declaravam, por escrito, que já não eram católicos, nem sequer religiosos. Esta declaração era comunicada às dioceses de origem, causando fortes engulhos aos signatários quando, nas férias, voltavam à sua terra para baptizar os filhos ou se credenciarem, eles próprios, a actos religiosos que lhes dessem prestígio local.
Nada disto é para admirar, mas, antes, para fazer reflectir a Igreja sobre a atenção dada à pastoral dos sacramentos e à fé exigida para os poder celebrar. Não admira que pessoas, baptizadas em criança e sem qualquer iniciação ou catequese posterior, concluam que serem julgadas cristãs pelos outros ou pelas estatísticas não tem qualquer lógica e, por isso, digam que “já não querem ser baptizados”.
Ninguém pode deixar de ser filho dos pais que o geraram. Pode desconhecer os pais, renegá-los, envergonhar-se deles, tornar-se voluntariamente filho pródigo, mas os pais serão sempre, por gosto ou a contra gosto, os seus pais. A fé cristã crê e ensina que o Baptismo é um “novo nascimento”. Por ele se adquire uma filiação espiritual irreversível, com direitos e deveres próprios. Também esta se pode desprezar ou menosprezar, mas o Baptismo perdura. Declara-se no livro próprio que a pessoa abjurou da sua condição de cristão, mas dentro dela persiste a capacidade de um regresso livre e libertador à casa paterna. Deus quer ser amado em espírito e em verdade e por um acto livre de quem acredita. Por isso, a Igreja não pode deixar de respeitar quem declara descrer de Deus e, ao mesmo tempo, interrogar-se porque motivo isso acontece e qual a culpa que lhe pode caber em tais situações.
Os tempos de cristandade ou de transmissão e vivência sociológica da fé e da vida religiosa, pessoal e comunitária, esvaneceram-se. Ainda há pais, crentes convictos, que pedem o Baptismo para os seus filhos ainda crianças. Outros, ao fazê-lo, não saem da sua tradição e pedem-no por motivos religiosamente muito débeis. O que era habitual foi-se tornando mais raro e, por isso, o número de baptismos de crianças diminui sensivelmente. A Igreja, há mais de três décadas, despertou para a preparação dos pais para o Baptismo dos filhos bebés. O direito de todos poderem ser baptizados implica o dever de que este sacramento se celebre com determinadas condições, sendo a mais importante a garantia de a criança poder ser educada fé cristã. Esta garantia implica, antes de mais, os pais e outros familiares, como os avós e os padrinhos, e, também, a própria comunidade cristã. No contexto em que vivemos, verifica-se que, em muitos casos, esta garantia moral é mínima, senão mesmo nula, não obstante as promessas feitas. O resultado está à vista: as comunidades encheram-se de pagãos, pela sua vida e rara adesão à fé e ao magistério da Igreja, todos eles baptizados em criança.
Quando na Igreja se introduziu o Baptismo de crianças, filhas de pais cristãos e a seu pedido, o ambiente social e religioso era outro. No início, o Baptismo era recebido por adultos convertidos à fé em Jesus Cristo. Daí a exigência do caminho catecumenal em ordem à conversão pessoal. Um caminho que podia ser moroso e longo. Ao generalizar-se o Baptismo das crianças, o catecumenato foi entrando em desuso. Em meios cristãos, a conversão considerava-se normal, pelo facto de a família cristã ser o meio propício para iniciar e educar na fé, levando as crianças à participação nos actos de culto e à prática do Evangelho na vida do dia-a-dia.
A Igreja multiplicou agora as exigências para celebrar o Baptismo, restaurou o catecumenato, avivou a ligação do Baptismo à Páscoa de Cristo, com todo o significado que este comporta. O Baptismo é, na vida de um cristão, o primeiro acontecimento pascal e o mais determinante num itinerário de fé, sério e consequente. Se isto não se explica, não se compreende e não se aceita, o Baptismo não passa de um acto social e de um rito religioso, sem exigências nem consequências. Assim, a Igreja, a família dos baptizados, vai perdendo para muitos o seu significado, bem como a consciência da sua missão no mundo.
Sempre a renovação da vida cristã partiu e partirá da descoberta e da vivência do Baptismo. Repensar a missão evangelizadora, num mundo secularizado e laico, obriga a repensar costumes e tradições que perderam, para muita gente, o seu sentido, mas que o povo e alguns responsáveis parece considerarem ainda como um caminho pastoral normal. Justifica-se este costume de séculos de baptizar crianças sem garantia séria de educação cristã? Justifica-se que se baptize com uma preparação diminuta um adulto que se dispõe apenas, por alguma razão, a casar na Igreja? Justifica-se a apatia pastoral ante o número crescente de baptizados que abandonam a comunidade cristã, ou nela vivem, de modo consciente e deliberado, em contradição com a fé e o Evangelho de Jesus Cristo? Perguntas incómodas, ao lado de outras, que não permitem adiar por mais tempo respostas necessárias e urgentes.