A resvalar para a lixeira e para o atoleiro
António Marcelino
Há na nossa sociedade realidades positivas que não se podem esquecer, porque nunca o pessimismo que mata a esperança é porta de saída para qualquer problema. Há decisões políticas e inúmeras e louváveis iniciativas privadas em prol do bem comum. São estas iniciativas de pessoas, grupos e instituições, que travam os presságios de um fim doloroso. As preocupações com o Orçamento e afins varreram para segundo plano ou fizeram sair do tablado das responsabilidades um mundo de problemas concretos que tocam a vida das pessoas e tornam o ambiente social mais problemático e grave. A interdependência é uma lei da natureza que não se pode esquecer. “Há vida para além da crise”, advertiu um político sensato, para dizer que uma fixação de quem governa arrasta sempre consequências sociais imprevisíveis. Para além dos problemas sociais que se vêm agravando, um deles é a lixeira, imoral e amoral, em que o país se está tornando, já a resvalar para um atoleiro, de onde não será fácil sair. Entretanto, multiplicam-se as vítimas da incúria e do silêncio. São pais amordaçados que podem cada vez menos, e crianças e jovens que, fascinados pelo abismo e com caminho abertos, são empurrados para usufruir o mais fácil, sem regras e à revelia.
O país foi-se tornando, pouco a pouco, uma anarquia “dourada”. Não apenas por culpa do governo, mas, certamente, por razão de muitas omissões suas e medidas concretas que favorecem esta realidade, sempre que os governantes se julgam senhores e donos do país, a exigir que todos comam da sua mão e pensem pela sua cabeça. Mas não faltam outros agentes activos desta situação, gente vocacionada para destruir o que vale e tem raízes de esperança, em troca de interesses e políticas de passagem, que vingam não pelo seu valor, mas por patrocínios impensáveis e caminhos ínvios e pouco honestos, bem conhecidos pela vitória do facto consumado. Se víssemos esta gente, do governo e de fora, a negar, por incómodo, o interesse da democracia participativa e os direitos humanos fundamentais, logo se entenderia o que os faz correr e falar. Destruídas instituições essenciais como a família, esvaziada a escola dos valores que lhe compete transmitir, dada rédea solta a meios de comunicação social, vazios de conteúdos e prenhes de porcaria e banalidades, aceites e bem pagos muitos dos fautores de projectos lesivos da cidadania e da dignidade, abertos buracos na lei que proporcionam caminho fácil à venda livre de drogas, já nada se pode estranhar. Legisladores, uns muito sabedores e outros impreparados, com um mundo de problemas a atender, gastam o tempo à volta de leis que abafam remorsos pessoais, e satisfazem, a troco de votos, grupos minoritários, fautores de ideologias de importação, alheias à legítima tradição e cultura de um povo, sem que nada disso o enriqueça e em muito o desvirtue.
O resultado desta política está à vista. Em cada três casamentos, dois dão divórcio; a natalidade decresce de modo contínuo e preocupante, deixando o país sem futuro; o planeamento familiar reduz-se pouco mais que à distribuição gratuita de drogas que mais favorecem prazeres fáceis e que não educam cidadãos responsáveis; as gravidezes precoces dispararam e ninguém se interroga sobre os causadores de tal desgraça e lhes pede responsabilidades; a vida humana passou a valor secundário e precário; as formas de violência multiplicam-se; a grande corrupção alastra; os grandes delinquentes são os pobres que se apoderam de ninharias para matar a fome e são postos na rua por não terem pago, porque nada têm, a renda de uma casa a que o senhorio se negou a dar qualquer conforto; o desemprego galopante significa fome e revolta…
No meio deste panorama, surge agora a exposição “Sexo, e então?” para crianças dos 9 aos 14 anos, onde os adultos são incómodos, onde se recomenda às crianças ouvidos surdos aos conselhos e avisos dos pais, onde se diz que a criança deve iniciar a sua vida sexual quando quiser e lhe apetecer e para isso se lhe ensina ali na prática como deve fazer. E mais, e mais… Tudo isto importado de França, com tecnologia de ponta, apoio bancário, facilidades de toda a ordem e abertura até Agosto de 2011… Vale a pena perguntar se é isto para o governo a educação sexual, se o Ministério da Educação conhece e aprova, se a equipa do Dr. Daniel Sampaio embarca no método e na linguagem, se os educadores e os representantes da associações de pais aprovam.
Iniciativas lindas para educar os afectos e mostrar a beleza dos sentimentos, que as há aí a merecer gratidão e apoio, o Estado e as empresas, que muito podiam fazer, passam-lhe ao lado. Não faltam bons livros, cursos organizados para educadores, material adequado, iniciativas de escolas para uma séria educação sexual. Mas ao Ministério e aos seus braços operativos, não lhes interessa senão obedecer aos seus critérios e esquemas. Quem só tem lixo e só produz lixo, não pode oferecer senão lixo. Só quem tem flores e cultiva flores pode oferecer flores.