Hospital do Menino Deus
Anselmo Borges
Bento XVI esteve de novo na Espanha, e os comentadores reconheceram, em geral, que a visita foi um êxito. Houve críticas? É a coisa mais natural. Numa sociedade pluralista, é evidente que nem todos concordarão com o Papa - como lembrou o teólogo galego Andrés Torres Queiruga, "quem fala em público expõe-se à crítica e ao peso das razões opostas" - e têm o direito de manifestar-se, como foi o caso dos homossexuais. O primeiro-ministro não esteve na missa? Fez bem e é mesmo de saudar, se realmente não acredita. O Papa foi alguma vez excessivo? Sim, quando comparou a actual situação espanhola em relação à Igreja com o que se passou na II República: "Em Espanha nasceu uma laicidade, um anticlericalismo, um secularismo forte e agressivo como o vimos precisamente nos anos trinta." Realmente, não se deve comparar o que não é comparável, mesmo se é verdade que hoje na Espanha e na Europa há má vontade contra a Igreja e se quer implantar um laicismo no lugar da laicidade. Mas também a Igreja não pode bater a culpa só no peito alheio.
Mas qual foi o núcleo da mensagem papal?
Em Santiago de Compostela, apareceu como "um peregrino mais" e daí lançou um convite premente à Europa para que recupere as suas "raízes cristãs". "É preciso que Deus volte a ressoar sob os céus da Europa", afirmou, acrescentando: "A Europa deve abrir-se a Deus." E reiterou a mensagem que tem mais a peito: a fé não é inimiga do ser humano, do progresso ou da razão; pelo contrário, constitui a sua plena realização.
Em Barcelona, no contexto da agora Basílica da Sagrada Família, esse hino de rara beleza em pedra a Deus e à fé, obra genial de Gaudí, o Papa cantou a beleza, ligando-a ao ideal da defesa da vida, da família e do casamento.
"Que fazemos ao dedicar este templo? No coração do mundo, perante o olhar de Deus e dos homens, num acto humilde e gozoso de fé, levantamos uma imensa mole de matéria, fruto da natureza e de um incomensurável esforço da inteligência humana, construtora desta obra de arte", como "sinal visível do Deus invisível, a cuja glória se erguem estas torres, setas que apontam para o absoluto da luz e dAquele que é a Luz, a Altura e a Beleza em si mesma". Gaudí conseguiu "unir a inspiração que lhe vinha dos três grandes livros nos quais se alimentava como homem, como crente e como arquitecto: o livro da natureza, o livro da Sagrada Escritura e o livro da Liturgia".
Para Bento XVI, "só onde há o amor e a fidelidade nasce e perdura a verdadeira liberdade". Por isso, "a Igreja advoga adequadas medidas económicas e sociais para que a mulher encontre no lar e no trabalho a sua plena realização; para que o homem e a mulher que contraem matrimónio e formam uma família sejam decididamente apoia- dos pelo Estado; para que se defenda a vida dos filhos como sagrada e inviolável desde o momento da sua concepção; para que a natalidade seja dignificada, valorizada e apoiada jurídica, social e legislativamente. Por isso, a Igreja opõe-se a todas as formas de negação da vida humana e apoia tudo quanto promova a ordem natural no âmbito da instituição familiar".
E insistiu na beleza: "A beleza é a grande necessidade do ser humano; é a raiz da qual brotam o tronco da nossa paz e os frutos da nossa esperança." Assim, Gaudí realizou uma das tarefas mais importantes: "Superar a cisão entre existência neste mundo temporal e abertura a uma vida eterna, entre a beleza das coisas e Deus como Beleza."
Num belo gesto simbólico, a última visita foi ao Hospital do Menino Deus, em Barcelona, cujo nome oficial é "Obra Benéfico-Social do Menino Deus", dirigido a crianças e jovens deficientes e suas famílias. Quis assim mostrar o seu interesse e afecto pelo trabalho a favor dos que mais precisam.
Afinal, quem duvidará de que este hospital e outras instituições do género são mais sinal do Evangelho de Jesus do que o Vaticano? Isto, também para sublinhar que "os papas do futuro viajarão cada vez mais como pastores", como disse ainda A. Torres Queiruga.