Cultura do povo, sucesso económico e resposta à crise
António Marcelino
Alguém se interrogava há dias no jornal “Expresso” se a cultura do povo pode ajudar a resolver a crise que nos toca e provocar sucesso económico. A pergunta, a meu ver, não é destituída de sentido. Quem pergunta tem interesse em ver mais claro, põe-se a caminho à procura de resposta, leva outros a reflectir. Foi o caso.
Dificuldades, pessoais e sociais, sempre as teremos. A solução possível está mais nas pessoas que as sofrem do que nas leis e normas prescritas por outros. Nunca virá luz dos que só fazem lamentações e críticas não comprometidas, dos que olham para o lado à procura dos eternos culpados de tudo, de quem cai em revolta e se esgota em acusações raivosas. Mesmo quando somos vítimas das incompetências de outrem, a procura de caminho tem sempre de se fazer começando por nós.
Quando a crise é de milhões, provocada por quem não foi nem sensato nem cuidadoso e quis ser grande a contar só com os outros, então, já nem a Europa com os torniquetes apertados e ameaças no ar, consegue dar volta certa à situação. E lá vamos nós a ver os administradores que escolhemos para nos governar. Resta pouco mais que a esperança de os despedir a seu tempo, os substituir por gente mais competente e aprendermos com os erros cometidos.
A crise, todas as crises, têm a suas causas. Tentar conhecer e aprofundar o que lhes deu origem é meio caminho para a solução, no que a nós diz respeito. Mas há uma cultura procurada e adquirida que não se pode dispensar.
Nada se poderá esperar de gente que solta rédeas à imaginação, deixa de ter os pés na terra, vive descuidada do dia-a-dia, gasta mais do que ganha, não prevê as consequências da sua superficialidade, tem lindas ideias e fracos procederes, se encosta sempre para beneficiar mais e fazer menos. De gente que se esquece que viver em sociedade se tem direitos não dispensa deveres.
Entra o papel da cultura de cada um e do conjunto, que não se traduz necessariamente em diplomas universitários, mas se aprende na escola da vida e é moldada por uma experiência diária.
Uma cultura expressa num modo habitual de agir, aprendido na prática de regras de vida, que ensina a importância e o valor dos meios de que se dispomos e da gestão que deles fazemos, não permite gastar além do que se tem, leva a distinguir o essencial, o importante e o supérfluo, dá valor positivo às privações indispensáveis, sabe prever e prevenir quando se tomam decisões, dá importância à poupança não obsessiva, à prática da solidariedade e da partilha, ao pequeno ou grande investimento com dimensão social.
Há gente que aprendeu a recorrer a meios próprios de administração aprendidos no seio da família, para não ter que viver um dia a esbanjar e outro a passar fome.
Agora mesmo, ao ver como muitas pessoas vivem e gastam, interrogamo-nos sobre se têm consciência da crise que afecta a todos e dão um mínimo de atenção ao seu caminho.
A falta de uma cultura que se traduz em vida faz com que muita gente se deixe arrastar pela publicidade agressiva que tudo facilita, incita a comprar sem dinheiro, retalha em pedaços o salário do mês, empurra para o consumismo fácil e agradável. Quando parece que tudo tem garantia num ordenado já parcelado por mil encargos, o próprio ordenado perde a sua garantia e surge o caos, traduzido em noite e dor.
Só dando valor ao que se tem, muito ou pouco, se aprende a viver na abundância e na privação. Já passamos pela experiência de quem tudo perdeu, em África ou no Leste. Quem tinha a cultura da vida recuperou sempre. O património de uma pessoa não é constituído só por bens materiais, mas também por experiências vividas e dificuldades vencidas. Quando os bens se perdem, há um bem que perdura e permite voltar a vencer. Neste sentido, a cultura do povo pode vencer crises e conseguir sucesso económico. Se o povo se deixa adormecer, perde a sua riqueza natural e tudo se torna mais difícil. Por isso mesmo só merece governar o povo quem o respeita e aprende com ele a governar a vida.