Em 2006 estive hospitalizado duas vezes. A primeira, num hospital coimbrão, e a segunda, no Hospital Infante D. Pedro. Em ambos fui muito bem acolhido e tratado. Nunca me cansei de dizer isto, porque há muito o hábito de se criticar, por isto ou por aquilo, os serviços hospitalares.
Num desses internamentos, a minha enfermaria estava relativamente perto de uma outra destinada a doentes pulmonares. Nas minhas caminhadas, de que necessitava para desentorpecer as pernas, passava por ali frequentemente. Havia, num ou noutro corredor, dísticos a proibir o fumo. Nem assim, porém, faltava quem se refugiasse num ou noutro recanto, para fumar um cigarrito, às escondidas dos médicos e enfermeiros.
Numa das minhas caminhadas cruzei-me, certo dia, com um senhor simpático e de palavra fácil, que me saudou em jeito de despedida. Realmente, estava de partida, depois de uma operação a um pulmão.
Conversa puxa conversa, fiquei a saber do que sofria. Cancro nos pulmões. Esta era já a segunda intervenção cirúrgica a que se sujeitara. Estava de regresso a casa. Adiantei, então, que estava com muito bom aspecto, desejando-lhe rápido restabelecimento. De pronto, respondeu-me:
- Olhe, meu amigo, o que importa é que estou aqui; sinto-me bem, mas não tenho ilusões; se soubesse o que sei hoje, talvez nada disto me teria acontecido.
E continuou, com ênfase, a contar a sua história:
- Desde novo, habituei-me a fumar, convencido de que isso me dava uma personalidade adulta. Eu gostava de ser como alguns senhores que conhecia, senhores que, antes de começarem uma qualquer conversa, puxavam primeiro do cigarro, acendiam-no com calma, atiravam o fumo para o ar e depois é que falavam. Eu via, nesses rituais, sinais de alguma elegância, de algum nível intelectual, de alguma importância.
- E depois?
- Depois, nunca mais parei. De um maço passei a dois. A seguir veio o terceiro… Por fim a tosse, o catarro, os vómitos de manhã, a neura quando tentava evitar o cigarro, o cansaço, as dores. O médico recomendou-me os exames da praxe. O diagnóstico deixou-me arrasado. Tinha de ser operado. Esta é a segunda vez… mas sei que o cancro continua comigo. Eu sinto-o!
- Pode ser que agora…
- Não tenho qualquer dúvida! Mais tarde ou mais cedo, ele volta.
- Claro que agora prega sempre os malefícios do tabaco…
- As pregações, pelo que tenho visto, não resultam… Os meus amigos continuam a fumar. Só uns três é que deixaram de fumar, mas não foi por qualquer pregação.
-Então?
- Foi por terem visto quanto se sobre quando o cancro ataca. Vieram visitar-me e ficaram tão impressionados com o que viram, que nunca mais pegaram no cigarro. Gente aflita com falta de ar, gente sem cordas vocais, gente com a boca a ser destruída, enfim, um horror. Não foi preciso nenhum médico, nem nenhum tratamento. Acho até que, se fosse possível, os fumadores podiam e deviam passar por uma enfermaria destas. Só vendo este sofrimento é que se acredita no mal que o tabaco faz.
Entretanto chega um familiar, talvez filho, para o levar. Ao despedir-se de mim, ainda perguntou:
- Fuma?
- Não.
- Que sorte a sua! Adeus.
Fernando Martins
Num desses internamentos, a minha enfermaria estava relativamente perto de uma outra destinada a doentes pulmonares. Nas minhas caminhadas, de que necessitava para desentorpecer as pernas, passava por ali frequentemente. Havia, num ou noutro corredor, dísticos a proibir o fumo. Nem assim, porém, faltava quem se refugiasse num ou noutro recanto, para fumar um cigarrito, às escondidas dos médicos e enfermeiros.
Numa das minhas caminhadas cruzei-me, certo dia, com um senhor simpático e de palavra fácil, que me saudou em jeito de despedida. Realmente, estava de partida, depois de uma operação a um pulmão.
Conversa puxa conversa, fiquei a saber do que sofria. Cancro nos pulmões. Esta era já a segunda intervenção cirúrgica a que se sujeitara. Estava de regresso a casa. Adiantei, então, que estava com muito bom aspecto, desejando-lhe rápido restabelecimento. De pronto, respondeu-me:
- Olhe, meu amigo, o que importa é que estou aqui; sinto-me bem, mas não tenho ilusões; se soubesse o que sei hoje, talvez nada disto me teria acontecido.
E continuou, com ênfase, a contar a sua história:
- Desde novo, habituei-me a fumar, convencido de que isso me dava uma personalidade adulta. Eu gostava de ser como alguns senhores que conhecia, senhores que, antes de começarem uma qualquer conversa, puxavam primeiro do cigarro, acendiam-no com calma, atiravam o fumo para o ar e depois é que falavam. Eu via, nesses rituais, sinais de alguma elegância, de algum nível intelectual, de alguma importância.
- E depois?
- Depois, nunca mais parei. De um maço passei a dois. A seguir veio o terceiro… Por fim a tosse, o catarro, os vómitos de manhã, a neura quando tentava evitar o cigarro, o cansaço, as dores. O médico recomendou-me os exames da praxe. O diagnóstico deixou-me arrasado. Tinha de ser operado. Esta é a segunda vez… mas sei que o cancro continua comigo. Eu sinto-o!
- Pode ser que agora…
- Não tenho qualquer dúvida! Mais tarde ou mais cedo, ele volta.
- Claro que agora prega sempre os malefícios do tabaco…
- As pregações, pelo que tenho visto, não resultam… Os meus amigos continuam a fumar. Só uns três é que deixaram de fumar, mas não foi por qualquer pregação.
-Então?
- Foi por terem visto quanto se sobre quando o cancro ataca. Vieram visitar-me e ficaram tão impressionados com o que viram, que nunca mais pegaram no cigarro. Gente aflita com falta de ar, gente sem cordas vocais, gente com a boca a ser destruída, enfim, um horror. Não foi preciso nenhum médico, nem nenhum tratamento. Acho até que, se fosse possível, os fumadores podiam e deviam passar por uma enfermaria destas. Só vendo este sofrimento é que se acredita no mal que o tabaco faz.
Entretanto chega um familiar, talvez filho, para o levar. Ao despedir-se de mim, ainda perguntou:
- Fuma?
- Não.
- Que sorte a sua! Adeus.
Fernando Martins