Se fosse nos EUA, era igual
Vou poupar pormenores e sentimentos profundos, íntimos e pessoais, nos dois mil e poucos caracteres desta coluna, e tentar ser objectivo e claro: na semana passada, perdi o meu irmão António na sequência de uma operação que começou por ser "delicada mas comum" e rapidamente se transformou numa tragédia sem fim. Tanto quanto percebi das palavras sempre rigorosas do professor Diniz da Gama, o tabaco esteve presente na origem da doença que obrigou à operação - e depois também no falhanço da própria operação. Julgo não exagerar se disser que o tabaco matou, aos 51 anos, o meu irmão.
O meu irmão António era um fumador inveterado. Como o meu pai. Como eu. No meio daqueles dias devastadores, ouvi alguém dizer perto de mim: "Se fosse nos Estados Unidos, a família ficava rica. Processava a Tabaqueira e ganhava de caras." A frase ficou a ecoar na minha cabeça até à noite em que estou a escrever. "Se fosse nos Estados Unidos..." Se fosse, era tudo diferente?
Provavelmente, não. Advogados e dinheiro, tempo e dinheiro, lentidão e dinheiro. Esperar a exasperar. Não confiar. Perder a força e a vontade. Não acreditar. Desistir. Penso nesse quadro e desisto antes mesmo de me perguntar sobre a eventual imagem do Dom Quixote a lutar contra moinhos de vento.
Prefiro lutar comigo próprio e deixar de fumar. Há 35 anos, quando o meu irmão António começou a fumar, ou há 25 anos, quando eu comecei, ninguém dizia que o tabaco matava. Dizia-se que era "coisa para adulto" (como beber café ou sair à noite). O meu irmão António, como eu, foi "apanhado" na teia de um vício que, no que à dependência diz respeito, em nada difere da mais dura das drogas. E ficou refém do seu vício até ao último minuto. Quem não fuma, nunca entenderá este drama.
Ser nos Estados Unidos ou em Portugal é absolutamente indiferente: o meu irmão António, cá ou lá, não está mais por perto a contar piadas e a inventar histórias divertidas. Cá ou lá, nas Tabaqueiras todos continuam a trabalhar tranquilamente. Impunemente. O Estado, cá ou lá, cobra para se sentir aliviado do fardo.
E cá ou lá, há uma pergunta que há 25 ou 35 anos não fazia sentido, mas hoje faz: quem pode não começar a fumar, num tempo em que toda a informação é taxativa sobre a matéria, porque o fará?