Discursos presidenciais – São todos muito pobres porque são modelados pela enunciação de “propósitos”, “desígnios”, “ideias para Portugal”, tão vagos, genéricos e retóricos como os slogans de campanha. É preciso conhecer muito bem os candidatos e perceber as nuances, saber quais são os não-ditos, para entender a lógica das candidaturas. Hoje a retórica está tão estabelecida no discurso político, que é cada vez maior o seu efeito de ocultação. O que salva estas eleições do vazio discursivo, é que os candidatos principais são bem conhecidos do eleitorado, e por isso são mais facilmente “lidos” nas suas efectivas intenções.
“O que nos distingue? Estilo e conteúdo” - Disse Mário Soares e é verdade. Só que quer o estilo, quer o conteúdo, já lá estavam antes da campanha. Esta é tão dominada por convenções, que é preciso escavar mais fundo para perceber as diferenças. A pose e encenação valem hoje mais do que os discursos, fazem “falar” a coreografia dos actos de apresentação. São eles que temos que analisar para ir mais longe.
Encenações - Em nenhum momento da campanha houve uma pura encenação autónoma, e quer Soares, quer Cavaco, cada um já se constrói face ao outro: um tem apoiantes na sala, o outro só os mandatários, um entrega o cartão, o outro só entrega depois de ganhar as eleições, um aceita perguntas á cabeça, outro recusa-as, para depois as aceitar quando verifica que o adversário o faz, um intitula-se de “político profissional”, o outro recusa o epíteto, um afirma-se independente dos partidos, o outro nega a condição de “suprapartidário”. Há todo um diálogo coreográfico, como se ambos “falassem” por estes gestos quer entre si, quer connosco. E é aqui que estão efectivamente a falar.
Pose – Toda a pose é uma metáfora programática e de poder. Cada um coloca-se diante de um Portugal imaginário, feito de densidade significativa, escolhendo lugares, posturas, silêncios e falas. A solidão desejada de Cavaco, a sua pose ritualistica, a sua relação com os símbolos do poder, as bandeiras alinhadas, a perfeição do cenário, o controlo do espaço à sua volta, onde só entra a esposa, pretendem acentuar a ruptura do exercício do poder com os actos quotidianos, valorizar o sentido de estado da função presidencial.Soares, pelo contrário, chega normalmente a uma porta de hotel, conversa, acelera e recua, olha para trás, acompanha um jornalista com quem conversa, passeia mais do que anda. Soares é mais terra à terra, mais natural, menos convencional, domina melhor o espaço à sua volta, por isso sente menos necessidade de o organizar. Onde Cavaco está contido e tenso, Soares está à vontade, é mais corporal nos gestos, a qualquer momento espera-se que dê o braço a um amigo. Nesta diferença ambos são naturais, embora depois a encenação acentue artificialmente o que os separa.
Soares, a quem Cavaco irrita, tende a ainda mais acentuar a sua liberdade corporal, a dizer o que lhe apetece, a fazer o que lhe apetece. Cavaco não se pode dar a esse luxo, nem se sentiria bem nele.
Soares é um típico membro de uma elite, preparado por toda a sua vida a estar naturalmente próximo do poder, mesmo quando, antes do 25 de Abril, era perseguido. Cavaco forçou a sua entrada numa elite que não o reconhece como um dos deles, que o verá sempre, como Soares o faz, como um parvenu. Só que, quando Cavaco tem poder, tem mais poder e quando Soares o tem, tem menos.
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