domingo, 27 de dezembro de 2020

Um guisadinho bem à gafanhoa

Recordando Ascêncio de Freitas
um escritor gafanhão

«O capitão Armando Vieira, do mesmo modo familiar com que o tinha recebido pela primeira vez logo após a chegada, fez entrar o amigo da juventude pela porta da cozinha, com as manifestações de alegria de quem acolhia em sua casa alguém que tivesse acabado de regressar, ileso, de uma batalha perdida
    e a cozinha estava inundada de um odor forte, saído de algo que estava a cozinhar, que fez recordar ao tio Florêncio a caldeirada de bacalhau
    não obstante ele pensou que não poderia adivinhar de forma tão simples e imediata que seria esse “o jantar gafanhão” que lhe tinha sido prometido, pois a caldeirada não poderia nunca ser considerada um prato gafanhão, nem tão-pouco apenas português
    — Estás a lembrar-te de alguma coisa conhecida neste cheirinho que está aqui na cozinha, não estás, sócio?
mas eu aposto singelo contra dobrado em como não adivinhas o que a Adélia tem ali a cozinhar
— Guiado pelo cheiro, eu apostaria que se trata de caldeirada de bacalhau
    mas ao mesmo tempo qualquer coisa me diz que perderia a aposta, porque este aroma que anda no ar não é exactamente igual ao da caldeirada
    perderia… seguramente
        porque depois de teres prometido um jantar gafanhão, seria falta de imaginação apresentares-me para comer uma banal caldeirada de bacalhau
    embora seja coisa que não como há muitíssimo tempo só que ninguém poderá dizer que se trata de um prato gafanhão os bascos e os galegos também a fazem
— Deixa-te de divagações e vem dar uma espreitadela 

disse o capitão Armando Vieira 
aproximou-se do fogão, retirou a tampa do tacho e uma intensa nuvem de vapor subiu no ar 
    depois de a deixar dissipar, o capitão Vieira fechou os olhos e aproximou o rosto do recipiente, de onde saía, junto com a branda fumarada, o som de um suave borbulhar
    Oh, assim estragas a surpresa, Armando 
    protestou Adélia
mas ele aspirava o vapor que saía do tacho e comentava:
    — Hum, este cheiro a salgado entra-me no nariz e trepa-me até à alma
    vem cheirar, vem cheirar este perfume que nos lembra o mar e é como se fossem as mãos dos anjos a acariciar o que há de melhor dentro de nós
    ah, e como formosa nos parece a vida saboreando estes petiscos
    melhor do que isto só lagosta suada ou bacalhau á Freitas
    o tio Florêncio aproximou-se dele e espreitou para dentro do tacho
    aspirou também o cheiro da comida           
    — Então que tal?
    — Não estou a ver o que possa ser

    cheira a bacalhau… mas ao mesmo tempo há qualquer coisa de diferente neste cheiro
    — São sames, sócio, são sames, que já não deves comer há muito tempo
    —  Sames?
caramba, há mais de trinta anos que não me lembrava sequer dessa estranha palavra, quanto mais comê-los
    — Sim senhor, um guisadinho de sames de bacalhau, bem à gafanhoa
    é ou não é?»



Excerto do capítulo oitavo
do romance “Ai, Amor” 
de Ascêncio de Freitas

Uma distância caritativa?

Crónica de Bento Domingues no PÚBLICO


Sagrada Família

Se o Natal cristão existe como a festa da proximidade, donde poderá vir a alegria com a afirmação pública e ostensiva da distância?

1. Comecei por não achar graça nenhuma à expressão que acabei por escolher para título desta crónica, embora de forma interrogativa. A história é simples. Recebi, como os dominicanos de todo o mundo, uma mensagem de Natal de um irmão filipino muito jovem, eleito Mestre Geral da Ordem dos Pregadores, em 2019, no Capítulo geral, realizado no Vietname, no qual também participaram dois delegados portugueses como eleitores.
O Mestre Geral chama-se Gerard Francisco Timoner III. Gostei muito da sua carta extremamente fraterna, orientada pela pergunta: Como pode haver alegria natalícia nesta época de pandemia?Passámos a Páscoa ansiosos a lutar contra o medo. Agora, celebramos o Natal ameaçados pelo mesmo vírus, com a obrigação de nos protegermos a nós e aos outros, mantendo o que ele chama uma distância caritativa. Mas, se o Natal cristão existe como a festa da proximidade, donde poderá vir a alegria com a afirmação pública e ostensiva da distância?
S. Paulo exorta-nos a contemplar a glória de Deus a rosto descoberto [1]. Ora, quando as celebrações eucarísticas são possíveis, a conta-gotas e com numerus clausus, as máscaras e as abluções tornaram-se parte da paramentaria litúrgica! As novas tecnologias passaram a ser também, em muitos casos, abençoadas alfaias do culto.
No entanto, o Natal deve continuar a ser a celebração do nascimento do Emmanuel, Deus-connosco em carne viva. Valha-nos Santo Agostinho para nos lembrar o clandestino que tão frequentemente esquecemos: Ele está mais próximo de nós do que nós de nós mesmos. Mas com que linguagem, com que gestos poderemos evocar essa intimíssima proximidade?

sábado, 26 de dezembro de 2020

Gafanha: Mulheres amanham a terra

“Nas Gafanhas da Nazaré, da Encarnação, na d'Aquém, na do Carmo, na Vagueira,... em todas as Gafanhas de Ílhavo, as mulheres amanham a terra, durante o tempo (às vezes, dez meses por ano!) em que os homens pescam o bacalhau nos mares distantes da Terra Nova, da Gronelândia, da Costa do Labrador. Elas cavam, semeiam, ceifam e colhem: duramente, com sanha viril. E assim se bastam e aos filhos. Quando o marido vier da campanha, encontrará a casa cheia como um ovo; e branquinha, sem sombra de dívida: Então com a ajuda de Deus, ele poderá comprar mais um pedaço de terra.
É assim com o Ribau, com o Chibante... com muitos outros. Com o Sarabando, também gafanhão e dos sete costados, não será bem assim: muitos filhos e todos pequenos ainda. Mas já alguém o viu triste, ao nosso Sarabando? Eu cá, nunca. Pobrete, mas alegrete.”


In "Nos mares do fim do mundo",
de Bernardo Santareno

Foto de "As mulheres do meu país" de Maria Lamas 

Entre o Ano Velho e o Ano Novo

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias



A passagem de ano é sempre, mesmo nesta nossa presente circunstância triste e confinada, um tempo especial: balanço do ano que passou, perspectivação do ano novo que chega.

1 Agora, percebemos melhor que é preciso programar, mas há também o imprevisível. Quem poderia prever há um ano que iria cair sobre nós, nós todos, globalmente, esta catástrofe de uma pandemia: um vírus invisível, com sofrimentos indizíveis por todo o lado, que nos traz a todos em sobressalto permanente? Tivemos de aprender por experiência dura o que não conhecíamos: palavras como covid-19, confinamento, desconfinamento, reconfinamento, "distância social", máscaras (sabíamos, mas era tudo em abstracto)... Sobretudo: que muitos, no fim do ano de 2020, já cá não estão, e foram-se sem uma despedida, como se tivessem desaparecido numa noite de breu, no meio de uma tempestade...

Em família, o Menino crescia em sabedoria

Reflexão de Georgino Rocha 
para a Festa da Sagrada Família



A apresentação de Jesus, no Templo de Jerusalém, constitui um acontecimento marcante na série de factos que manifestam a sua identidade e missão, o primeiro dos quais é a sua família. É também uma nova Epifania que está centrada no encontro de Simeão e de Ana, símbolos de uma humanidade insatisfeita com o presente e aberta ao futuro da esperança. Lc 2, 22-40 
“Um aspeto do mistério da encarnação, cujo aprofundamento esta celebração permite, afirma Manicardi, gira em torna do facto de que Jesus nasce e cresce num ambiente familiar, social, cultural e religioso específico… Do texto transparece, numa perspetiva hermenêutica, o problema da responsabilidade educativa dos pais e o laço da relação entre a família e a comunidade. A família enriquece a comunidade e a comunidade apoia a família no seu trabalhoso caminho humano e de fé”
A apresentação é uma festa judaica que contém em gérmen e desvenda em profecia o propósito que dá sentido à vida de Jesus: “Estar na casa do Pai”, fazer a sua vontade e anunciar o Evangelho do Reino. É um ritual familiar que celebra uma etapa significativa na inserção religiosa e social de Maria e José que vão apresentar o seu Menino ao Senhor e serem reconhecidos pela autoridade do Templo, cumprindo os preceitos da Lei. Que belo exemplo deixam aos pais que sentem o impulso natural de apresentar os seus filhos a Deus, agradecer o dom da vida e pedir a bênção para a aventura iniciada e as surpresas inesperadas!

sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

O Menino estava deitado na manjedoira

 

«Mal os anjos partiram para o céu, os pastores disseram uns para os outros: “Vamos a Belém para vermos o que o Senhor nos deu a conhecer." Foram a toda a pressa e lá encontraram Maria e José e o Menino, que estava deitado na manjedoira. Depois de verem tudo isto, puseram-se a contar a toda a gente o que lhes fora dito a respeito daquele Menino. Todos os que ouviram o que os pastores diziam ficavam muito admirados.»

Lucas 2, 15-18

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