no PÚBLICO
O 25 de Abril pôs fim a uma longa ditadura, mas não podia, do pé para a mão, desenvolver uma cultura da responsabilidade democrática. Sabemos isso e não falta quem deseje, hoje, servindo-se das instituições democráticas, restaurar uma ditadura que não conheceu.
1. Ontem, no Auditório Camões (Lisboa), foi realizada uma Sessão Cultural inscrita nas comemorações dos 50 anos da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos (CNSPP). Cinquenta anos não é uma eternidade, mas é tempo suficiente para se perder a memória acerca do que não deve ser esquecido. A referida comissão teve, felizmente, uma existência breve, de 1969 a 1974, pelo melhor dos motivos: o 25 de Abril. O seu percurso está bem documentado [1]. Além disso, vai sair, em breve, um novo e interessante estudo sobre essa documentação com uma proposta de enquadramento, enquanto movimento social, que exige alguma discussão que não cabe nesta crónica [2]. Tentarei, ainda que brevemente, referir a sua originalidade exemplar.
Um grupo de cidadãos, integrado por dezenas de personalidades de sectores sociais, profissionais e áreas geográficas diversas, entregou na Presidência do Conselho de Ministros um documento, datado de 15 de Novembro de 1969, no qual anunciava a constituição da CNSPP, baseada no artigo 199 do Código Civil. Neste estava prevista a formação de comissões especiais, não sujeitas ao reconhecimento oficial, para acções de socorro ou beneficência. Os signatários consideravam que a existência de presos políticos era justamente uma situação de calamidade [3]. Deve dizer-se de calamidade nacional, na medida em que a polícia política, com diversos nomes ao longo dos anos, tentava fazer do medo a prisão do país e da intervenção política um risco ameaçado com a cadeia.