segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Andanças por Aveiro - 2


Aveiro é uma cidade bonita vista dos mais diversos lugares. De cada ângulo, por mais insólito que seja, é possível apreciar panoramas singulares e dificilmente imaginados  por quem vive ou visita a cidade dos canais. Estes amantes de paisagens amplas e diferentes escolheram, realmente, um telhado central. Rodando, veem a cidade e arredores na sua plenitude. Eu se pudesse fazia o mesmo.





O canal central de Aveiro tem presentemente um movimento como nunca vi. Os moliceiros ou aparentados não param com viagens que se multiplicam, porque não faltam turistas interessados em conhecer outros canais, outros recantos,  cada um com as suas curiosidades. 





As flores ficam sempre bem em qualquer sítio. A  Lita chamou a minha atenção para os "vasos" que as apresentam a quem passa. Nada mais nada menos que alcatruzes dos poços de rega que já desapareceram das nossas paisagens agrárias. O  inútil tornou-se útil. Ainda bem.


Os moliceiros já oferecem cicerones nas viagens pelos canais. Parto do princípio que estão preparados para isso. Se não é verdade, está mal. É que podem vender gato por lebre. E  turista enganado pode ser turista perdido.



Cortaram a cabeça a este cisne. Gostam? Eu não gosto nada.






domingo, 12 de novembro de 2017

Bento Domingues — Teologia da libertação ou libertação da teologia (1)



1. O séc. XX, quando se observam as persistentes lutas da teologia católica que o percorreram, mostrou que não conseguiu conviver com a herança autoritária do séc. XIX, traçada por Pio IX, pelo Vaticano I e pela enigmática infalibilidade pontifícia. Não vingou a ideia dos que julgavam que, a partir daquele momento, as expressões da fé ficavam adequadamente formuladas para enfrentar os tempos modernos. Os concílios eclesiásticos deixavam de ter razão de ser e os teólogos podiam ir para férias.
Não foi o que aconteceu. Essa ilusão esquecia que a verdadeira energia da fé cristã não paralisa as actividades cognitivas e afectivas do ser humano. Não é um calmante e muito menos uma anestesia. É um impulso vital e uma nova lucidez no coração do quotidiano. É do encontro da sua chama com os acontecimentos inéditos que nasce a co-agitação teológica e a luz para as suas práticas de libertação espiritual, cultural, económica, social e política. Ao respeitar e alimentar a originalidade de cada uma dessas dimensões da realidade, sempre multifacetada, o cristianismo manifesta a sua fidelidade ao céu e à terra.
Não se deve esquecer que a primeira metade do séc. XX foi constituída por um dos tempos mais inovadores sob o ponto de vista teológico. Essa inovação foi o fruto das novas formas de exegese bíblica, de redescobertas dos Padres da Igreja, da análise da história dos concílios ecuménicos, das formas desconhecidas da liturgia, em suma, do encontro com os testemunhos das fontes mais genuínas e muito ignoradas dos diversos percursos da fé cristã. Não eram visitas guiadas a um museu de antiguidades mortas. A descoberta da pluralidade viva e turbulenta do passado abria o caminho a novas experiências e movimentos.
As experiências ecuménicas, missionárias, pastorais e as do encontro com um mundo no qual as Igrejas já não mandavam, obrigaram a inteligência da fé a tornar-se mais interrogativa, mais inquieta, mais agitada pelas convulsões de duas grandes guerras mundiais. A teologia tinha de abandonar o mundo das abstracções e descer ao concreto, às realidades terrestres, humanas. As terras de missão já não ficavam longe. Mas a cegueira ideológica dos grandes senhores das instituições da Igreja, salvo fantásticas excepções, preferia condenar a dialogar.

2. Depois de tantas condenações romanas que atingiram os movimentos, as experiências inovadoras e os teólogos mais criativos e, quando muitos católicos pensavam que já não havia esperança na renovação da Igreja, foi eleito Papa, a 28 de Outubro de 1959, um homem nascido em 1881. Chamava-se Angello Roncalli. Depois da surpresa geral, julgou-se que era uma saída de emergência até se encontrar um guia seguro para tempos difíceis e complexos.
De facto, João XXIII conhecia muitos mundos, as peripécias internas da Igreja dos séculos XIX e XX e as suas dificuldades de relacionamento com o mundo contemporâneo. Não se apresentou com nenhum programa salvador. Ao fazer a barba, lembrou-se de convocar um concílio ecuménico, como gostava de dizer para ocultar a sua divina clarividência.
Não escreveu nenhuma linha da teologia da libertação, mas começou, nesse momento, a libertação da Igreja e a libertação da teologia no mundo actual. Lembro isto porque estamos confrontados com vários movimentos organizados para que a orientação da Igreja católica regresse aos tempos anteriores ao prodigioso Vaticano II. Também são activos em Portugal e, nomeadamente, em Fátima. Não toleram que o Papa Francisco, depois de um longo inverno, retome a primavera de João XXIII.

3. Estão a ser celebrados os 50 anos da Universidade Católica e da sua Faculdade de Teologia. Os meus parabéns!
Uma qualificada representação deslocou-se à Sé de Pedro. O Papa respondeu à saudação do Grão-Chanceler, cardeal Manuel Clemente, com uma incisiva interpelação e um apelo que nascem de uma interrogação que deve obrigar, professores e alunos, a um exame sério acerca da orientação que estão a seguir. Que procuram? Uma carreira ou uma maior capacidade de servir os mais pobres? [1]
"É justo que nos interroguemos: Como ajudamos os nossos alunos a não olhar um grau universitário como sinónimo de maior posição, sinónimo de mais dinheiro ou maior prestígio social? Não são sinónimos. Ajudamos a ver esta preparação como sinal de maior responsabilidade perante os problemas de hoje, perante o cuidado do mais pobre, perante o cuidado do meio ambiente? Não basta realizar análises, descrições da realidade; é necessário gerar espaços de verdadeira pesquisa, debates que gerem alternativas para os problemas de hoje. Como é necessário descer ao concreto!"
O Papa, na sua intervenção, parece que tem a obsessão de voltar sempre ao concreto: "Queria aqui lembrar o princípio da encarnação na pele do nosso povo. As suas perguntas ajudam-nos a questionar-nos; as suas batalhas, sonhos e preocupações possuem um valor hermenêutico que não podemos ignorar, se quisermos deveras levar a cabo o princípio da encarnação. O nosso Deus escolheu este caminho: encarnou-Se neste mundo, atravessado por conflitos, injustiças e violências, atravessado por esperanças e sonhos. Por conseguinte não temos outro lugar onde O procurar a não ser no nosso mundo concreto, no vosso Portugal concreto, nas vossas cidades e aldeias, no vosso povo". É aí que Ele está a salvar.
Bergoglio não se esqueceu de uma interrogação ainda mais global: para que existe a Universidade Católica? Que interesses serve?
"Por natureza e missão, sois universidade, isto é, abraçais o universo do saber no seu significado humano e divino, para garantir aquele olhar de universalidade sem o qual a razão, resignada com modelos parciais, renuncia à sua aspiração mais alta: a de buscar a verdade. À vista da grandeza do seu saber e do seu poder, a razão cede perante a pressão dos interesses e a atracção da utilidade, acabando por a reconhecer como seu último critério.
Mas, quando o ser humano se entrega às forças cegas do inconsciente, das necessidades imediatas, do egoísmo, então a sua liberdade adoece. 'Neste sentido, ele está nu e exposto frente ao seu próprio poder que continua a crescer, sem ter os instrumentos para o controlar. Talvez disponha de mecanismos superficiais, mas podemos afirmar que carece de uma ética sólida, uma cultura e uma espiritualidade que lhe ponham realmente um limite e o contenham dentro dum lúcido domínio de si [2]'”.
A teologia académica, em Portugal, não teve os problemas que enunciei no começo desta crónica. Esteve em jejum desde 1911 até 1968. Mas não é tudo. Voltarei a esta questão

Frei Bento Domingues no PÚIBLICO


[1] Discurso do Papa Francisco à comunidade da Universidade Católica Portuguesa por ocasião do 50º aniversário da sua instituição.
[2] Francisco, Laudato si’, 105

sábado, 11 de novembro de 2017

Notas do meu Diário - Dia de São Martinho com castanhas e vinho






Hoje celebra-se a festa litúrgica de São Martinho com o povo a saborear, se possível, castanhas e vinho. O santo benfeitor não ficará zangado por isso e eu, se puder, também hei de provar. Contudo, é bom conhecer, no mínimo, quem foi este santo, mais lembrado nesta época. Recordo, com muita saudade, as castanhas assadas, bem ou mal, nas escolas, no meio do recreio. Um bom molho de bicas, castanhas em cima, fogo ateado e espera ansiosa que a repartição entre todos se iniciasse, que ninguém podia ficar de fora. Os mais afoitos arriscavam-se a apanhar umas tantas castanhas que estouravam com o calor, quantas vezes por falta do tradicional golpe que era dado em cada uma.
Embora tardiamente, que não tive tempo para escrever esta nota antes, aqui ficam os meus votos de bom dia de São Martinho. Eu vou comer umas tantas...

Camões — Amor é fogo que arde sem se ver





Amor é um fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói e não se sente; 
é um contentamento descontente, 
é dor que desatina sem doer. 

É um não querer mais que bem querer; 
é um andar solitário entre a gente; 
é nunca contentar-se de contente; 
é um cuidar que se ganha em se perder. 

É querer estar preso por vontade; 
é servir a quem vence, o vencedor; 
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor 
nos corações humanos amizade, 
se tão contrário a si é o mesmo Amor? 

Luís de Camões

NOTA: A coleção de livros de bolso que o EXPRESSO está a oferecer dá-me a oportunidade de regressar a alguns clássicos, que não esqueço mas nem sempre releio, porque outras obras mais recentes me desafiam. Hoje é a vez de voltar a Camões com a satisfação de sempre. Na Contracapa há  um texto de Manuel Alegre retirado da apresentação desta obra, que tem por título "O livro mais actual da poesia portuguesa". 
Boas leituras.

Ares de Outono — Quando, Lídia, Vier o Nosso Outono


Quando, Lídia, vier o nosso outono
Com o inverno que há nele, reservemos
Um pensamento, não para a futura
Primavera, que é de outrem,
Nem para o estio, de quem somos mortos,
Senão para o que fica do que passa
O amarelo atual que as folhas vivem
E as torna diferentes.

Ricardo Reis, 
in "Odes"
(Heterónimo de Fernando Pessoa)

Dia Nacional do Mar — 16 de novembro



O Dia Nacional do Mar comemora-se no dia 16 de novembro - data à qual o Museu Marítimo de Ílhavo não poderia ficar indiferente, assinalando-a com várias iniciativas tanto para as famílias como para o público em geral, ao longo do dia 18, sábado. Esta é também a iniciativa que marca o encerramento das comemorações do 80.º aniversário do Museu Marítimo de Ílhavo. A tarde de sábado será pontuada por vários momentos chave, como a apresentação do livro "Traços de Construção Naval em Madeira", de António Marques da Silva, a entrega dos Prémios do 4.º Concurso de Modelismo Náutico do Museu Marítimo de Ílhavo, encerrando com uma visita especial à exposição “Invisível”, de Hermano Noronha, Alexandre Sampaio, Ricardo Raminhos, João Malaquias.

Ver programa aqui

Nota: Texto do MMI

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Anselmo Borges — A sida espiritual



Quarenta e três anos de democracia para que serviram? É uma pergunta que frequentemente me colocam. E eu tento responder.

1. Do ponto de vista formal, houve um bom caminho que se fez e a democracia está consolidada. Mesmo do ponto de vista da justiça social, há conquistas significativas. Mas nem tudo está bem. As pessoas deixaram-se estontear pelo "deus" dinheiro e temos a corrupção que se sabe. Há desconfiança em relação aos políticos, fundamentalmente por causa da corrupção e da cumplicidade entre política e negócios. Depois, porque se governa para as eleições, portanto, para o curto prazo, vão faltando as reformas estruturais, necessárias para não termos de viver em constante sobressalto, mesmo do ponto de vista económico-financeiro. Temo, quando ouço hoje muita gente dizer sobre os políticos: "São todos iguais, querem ir para o poder não porque se interessem por nós, mas por causa dos interesses deles." Aliás, a percentagem de abstenção nas eleições é já muito elevada. Terá de haver transparência na governação - veja-se o que se passa com a banca, Tancos, os incêndios...

2. Considero a actividade política uma actividade nobre, das mais nobres. Mas receio quando vejo, na época das eleições, um número quase sem fim de cidadãos a concorrer como candidatos. Desconfio de tanta competência e sobretudo continuo a não acreditar que a maior parte o faça por amor à causa pública, ao serviço do bem comum. Como já aqui escrevi: "Que interesses, que vantagens, que compadrios, que cumplicidades, que privilégios, que benesses, que vaidades os movem?" Se os políticos quisessem realmente saber o que os outros cidadãos pensam deles, haveria um teste poderoso, embora saiba ser perigoso e talvez não aplicável: nas eleições, os votos em branco traduzir-se-iam, segundo a lei da proporção, em cadeiras vazias no Parlamento. Seria o "partido da cadeira vazia". Poupava-se dinheiro e retórica de sofistas, inútil e manhosa. Votar seria obrigatório, mas, em vez de sanções para os cidadãos que não votassem, os cidadãos tinham a possibilidade do voto em branco, com esta consequência.
De qualquer forma, é necessário reformar o Estado e a política, a começar por cima. Corte-se nos privilégios de tantos, reduza-se o excesso de mordomias, siga-se, sobretudo, a famosa "navalha de Ockam": "Não multiplicar os entes sem necessidade", por exemplo, não se aumente o número de funcionários só para dar a impressão de que diminui a taxa do desemprego.

3. Concretizemos mais.

Apesar dos bons resultados quanto aos últimos orçamentos, aproveitando aliás, mesmo que se não queira admitir, das políticas que vinham de trás, não se pode caminhar agora para orçamentos eleitoralistas, esquecendo a dívida. Há sempre aquela pergunta fatal: o que leva tantos a procurar o poder? Respondeu quem sabe, Henry Kissinger: "O poder é o maior afrodisíaco." Mas não se venha iludir os cidadãos, pois eles sabem, por exemplo, do atraso do Ministério das Finanças em desbloquear verba para mais cirurgias no IPO de Lisboa. Para lá disso, também sabem das cativações e que em 2016 morreram 2605 portugueses à espera de uma cirurgia - "uma coisa que é assustadora e que, em circunstâncias normais, devia ter causado um terramoto (mas os fogos tiraram toda a normalidade aos nossos dias)", escreveu Pedro Ivo Carvalho. Não é bom pretender que os cidadãos acreditem que a austeridade acabou, pois eles sabem das "engenharias financeiras" e dos impostos e de como os impostos indirectos são os mais injustos, porque são cegos e atingem a todos.
O que se passou e passa com Tancos é inqualificável.
Sobre as desgraças continuadas quanto à banca, só se pode exigir que se ponha cobro à situação e que se faça justiça. Haja transparência! Há uma palavra do Evangelho, sempre viva e actual: "A verdade libertar-vos-á."
Que mal é que há em reconhecer que o Estado falhou clamorosamente nos incêndios, sobretudo quando se pensa no aviso que vinha de Pedrógão? Os prejuízos podem alcançar os três mil milhões de euros. Evidentemente, os 110 mortos não têm preço e a angústia mortal de tantos e tantas que ficaram sem os seus entes queridos e com a vida toda tolhida e destroçada serão um eterno peso na nossa consciência. A atitude do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, foi e continua a ser exemplar.

4. Diz-se frequentemente: "Já não há valores." Não penso isso. O que se passa é que se inverteu a pirâmide dos valores e corre-se o risco de o valor dinheiro se tornar o valor e a medida de todos os valores. Onde está a honra, a dignidade, o valor da palavra dada, a solidariedade, a família como esteio que segura os valores, a escola que forma pessoas íntegras e, assim, bons profissionais, alguns princípios orientadores de humanidade e para a humanidade?
No que mais temo está também que, depois de terem caído "princípios" inaceitáveis na sua rigidez, reste apenas a imediatidade, a auto-satisfação de cada um a seu bel-prazer, e, consequentemente, a desorientação, no sem-sentido da intranscendência. O que infecta esta nossa sociedade é o que chamo a sida espiritual, que derruba a capacidade de defesa face à mentira, à desonra, à indignidade, à corrupção, à falta de valores na sua hierarquia autêntica. E não vejo que sejamos mais felizes. Os próprios jovens, a quem tudo é dado materialmente, educados na anomia facilitista e no "dedar" constante e caótico do smartphone e não para o estudo sério e a capacidade e a alegria de superar obstáculos, nas batalhas pelo bem e na conquista do melhor, que é ser si mesmo na autenticidade e na superação de si, acabam mergulhados na dor da derrota e da desorientação.


Anselmo Borges no DN 

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

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