sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Festa na Obra da Providência






Celebrou-se ontem, como recordei, os 50 anos da aprovação dos Estatutos da Obra da Providência, instituição que nasceu, como lembrou D. António Marcelino, Bispo Emérito de Aveiro, na homilia da eucaristia de acção de graças, “para apoiar quem era espezinhado” pela sociedade. Na urgência, indicada por Cristo, de olharmos para os mais carentes.
D. António Marcelino frisou que as fundadoras, cuja história bem conhece, agiram como vicentinas e desde sempre foram ao encontro dos que mais precisam, descobrindo aí os “caminhos de Deus”, caminhos que contribuem para que “as pessoas se sintam mais amadas”.
No jantar de convívio que se seguiu, com dirigentes e funcionárias, foi bom sentir o espírito de fraternidade que a todos anima. Uma fundadora, Rosa Bela Vieira, também participou na festa. Ausente, apenas, por indisposição que vai passar, assim creio, Maria da Luz Rocha, a outra fundadora da Obra da Providência e alma mater da instituição desde a primeira hora. Faltou pela primeira vez a este convívio anual, mas o seu espírito de entrega aos outros marcou presença indelével entre todos os convivas.

QUANDO SERÁ DE NOVO O NATAL QUE JÁ FOI?


Há pessoas maravilhosas e gestos lindos que não o seriam se não tivesse havido Natal.
O Natal que houve, é o Natal que há. Cada dia, se eu e tu quisermos.
No coração humilde de um crente, a fé do Natal é força explosiva e dinamismo imparável. Muito além do que se pensa. Natal que enche a vida e a faz sair de si, para dizer a todos que a minha vida, a tua vida, também é vida dos outros. De todos.
Vivência de Natal não se encontra em qualquer canto, não se espelha em qualquer rosto.
Hoje, como ontem, o Natal passa-se fora de portas, em campo aberto, povoado por gente humilde, gente de coração limpo e sensível. Gente desinstalada que vem, de longe ou de perto, à procura de amor. Gente que acredita que a luz vence as trevas, e onde o sol penetra pelas frestas das portas e janelas, já nada pode impedir que ele ilumine a noite de tantas casas habitadas de pessoas, desabitadas de ternura, de beleza, de paz.
Só onde estiver alguém que se julgue sol, as trevas persistirão.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Natal de 1962

EU DORMIA PROFUNDAMENTE
E... SORRIA!
Poucos dias antes do natal de 1962 havia grande azáfama na nossa Companhia. Tínhamos recebido informações de que o IN iria aproveitar a época natalícia para meter grande quantidade de armas e munições no território angolano. A passagem seria pela já nossa conhecida picada do Quelo.
Ficámos admirados com tanta e concisa informação! Seria mesmo verdade? Ou isto seria mesmo contra-informação? Pelo sim pelo não ficou resolvido pelas altas esferas da Companhia que até ao dia 23 haveria sempre dois pelotões em movimento, fazendo emboscadas, patrulhando as picadas prováveis para a passagem do IN.
No dia 23 houve que ir ao abastecimento a São Salvador para a consoada! Que diabo de abastecimento seria esse? Batatas haveria, mas… e o bacalhau? E as couves?
Para mim uma boa feijoada com dobradinha brasileira era o suficiente! Para quê sonhar tão alto? Não querias mais nada: - bacalhau com couves! Estamos em Africa, dizia-me o Costa Pereira em ar de gozo.
O nosso pelotão estava de serviço ao acampamento e teve de ir à água e à lenha, pois dois estavam em operações e o outro tinha ido ao abastecimento.
Estava curioso por saber o que o nosso vagomestre nos iria trazer para a noite de consoada. Traria com certeza o que o “Barriga de Guinguba” tivesse trazido de Luanda. Abastecimento local não havia.
O pelotão chegou era já um pouco tarde e descarregou no armazém. Os pelotões operacionais também haviam regressado. Pessoal cansado. O que vale é que amanhã é dia de consoada e não haverá operações, pensava-se! Caminhava-se de vagar, ao deus-dará, pela parada. Um ou outro homem chegava-se à cantina para se dessedentar com uma 7UP ou uma Cuca fresca. Que pensariam aquelas almas? No dia seguinte era dia de consoada. Pensavam no mesmo que eu, com certeza.
Ao menos valia a pena. O que sucedeu em 1961 não se repetiu!
No dia seguinte, depois do almoço, o Zé Cozinheiro começou a tratar da ceia da consoada. O Furriel Cura, o vagomestre, convidou-nos a ir ver como corriam os serviços pela cozinha. Fomos. Era um modo de passar o tempo, de afastar as ideias que com a velocidade da luz teimavam em lembrar-nos o que se passava lá longe!
Ao chegar à cozinha notei um amontoado de grades de madeira. Ó Cura, o que é aquilo?
Não sei, vamos ver. E pegou num martelo de orelhas para abris uma grade. Olhei e vi com espanto a inscrição na madeira: “Cod-Fish”. Meu Deus, disse eu. Vamos ter bacalhau para a consoada! O Cura riu com satisfação e disse, vamos ver!
Desmantelou a grade de madeira que protegia outra embalagem hermética, feita de folha de zinco prateada, que dizia em inglês “Embalado na Africa do Sul” Não resisti e puxei a pega que servia para abrir a lata, deparando com seis bacalhaus do tamanho crescido lá dentro. Arranquei uma fêvera, meti-a à boca e, ao tomar-lhe o sabor exclamei:
- Malta, é mesmo bacalhau!
Alguns riram com a minha admiração. Só fiquei com pena de não ser bacalhau português, seco e embalado na minha terra. A embalagem seria de ráfia, mas o sabor seria melhor do que este.
Enfim, coisas que se pensam, para não pensar noutras coisas!
Arrumaram-se as camas de uma caserna e montaram-se mesas corridas. Nessa noite toda a companhia cearia junta, num sinal de união.
Cura, como conseguiste arranjar o bacalhau? Olha, não contava, mas às vezes “os tropa do ar condicionado”, lá fazem destas coisas, e ainda mais, mandaram couves. Estão todas murchas. Mas o Zé Cozinheiro há-de arranjar processo de elas ficarem apetitosas.
O dia ia passando, o sol ia-se escondendo lá para os lados de São Salvador do Congo!
Que será feito hoje dos meus dois irmãos que estão em Angola?
Um, Policia Militar, estará em Luanda, o outro está, salvo erro, em Tomboco, no coração dos Dembos.
Ambos solteiros, estarão a pensar na nossa família?
O que está em Tomboco estará como eu, tentando, – só tentando – pensar no que nos rodeia.
O que está em Luanda, em serviço ou fora dele, ao ver as montras e a alegria festiva dos passantes, deve ter muitos apertos do coração!
O tempo estava quente, a azáfama no acampamento era muita. O que me admirava eram os passeios isolados de muita gente pela parada. Não se conversava. Mãos nos bolsos, embora a temperatura que se fazia sentir ser elevada (estava-mos no Verão), olhando para o além, tentando descortinar o que se passaria ao longe.
Anoitecera. A noite estava escura. Fui fazer uma ronda, conversando com este e aquele, a minha pergunta era sempre a mesma: - Então pá, tudo bem?
E a resposta era sempre a mesma: Um encolher de ombros, e… tudo bem!
Também nas sentinelas se notava aquela ausência do espírito. O corpo estava ali, mas o espírito andava muito por longe. Era perigoso este estado de espírito para quem estava de serviço. Disse aos sentinelas que não queria ver ninguém sentado. De pé e a passear de um lado para o outro. Quando o pessoal que os haveria de render ceasse, viria rendê-los e eles iriam cear.
E assim se ia passando a noite de consoada, à espera da ceia.
Enfim, chegou a hora. O pessoal sentou-se. Ia começar a ceia. Tinha havido ordem de o gerador trabalhar mais duas horas, até à uma da madrugada!
À ordem de cear quase todas as bocas se calaram, executando outra função mais útil: comer. O bacalhau era bacalhau também no sabor, as couves embora com aspecto de verdes, tinham um sabor a nada!
Finda a refeição, foram rendidos os homens que estavam de serviço, e vieram eles cear.
Tinha terminado a ceia de consoada. Antes de nos sentarmos à mesa, iam-se fazendo os preparativos e pensando esperançados na ceia de Natal. Agora que esta terminou, sentíamos o estômago cheio, mas faltava qualquer coisa na cabeça!
Fui dar uma volta, fazer mais uma ronda, já que não havia mais nada a fazer. Era meia-noite. Tudo estava bem.
Ao passar no último posto, dois sentinelas conversavam e um dizia para o outro: A esta hora, na minha aldeia, repenica o sino da igreja a chamar os fiéis para a missa do galo.
Mais uma vez a minha mente voou à velocidade da luz, para longe!
Repreendi-os, não pela sua conversa, que me chocou pela lembrança que me trouxe, (não me atreveria a tanto), mas por estarem os dois fora dos seus postos de vigia…
Cheguei-me à nossa caserna, passei palavra ao sargento que me ia render, para me chamarem quando chegasse a minha hora de serviço, e estendi-me na cama. Adormeci. Só acordei quando já era dia. Levantei-me atrapalhado: - Que diabo, e a minha ronda?
Fui então informado pelo meu colega, que, quando ia para me acordar, eu dormia profundamente… e sorria!
- Não fui capaz de te acordar, e fiz a ronda em teu lugar, disse-me o Miranda!

Ângelo Ribau Teixeira

SERRALVES VIRTUAL


O Museu de Serralves, no Porto, abriu as portas a todo o mudo virtual. Com um simples clique, fica ao nosso alcance tudo quanto a este museu diz respeito. Em http://www.serralves.pt/ podemos recriar uma visita e passar por todos os seus espaços museológicos e jardins, ficando, assim, com apetite para o conhecermos ao vivo. Cada visita, cada momento, cada recanto, enfim, tudo quanto ele tem para nos brindar ali está, gratuitamente, para nos dizer que merece ser apreciado e acarinhado por todos os amantes da arte. Hoje de manhã, nos noticiários radiofónicos, ouvi a nova da sua abertura ao mundo virtual. E já lá fui. Por isso aqui deixo o recado: passem por lá, que vale a pena.

OBRA DA PROVIDÊNCIA



Primeiros estatutos aprovados
em 20 de Dezembro de 1957

Oficialmente, a Obra da Providência, instituição particular de solidariedade social, completa hoje meio século de vida. Foi fundada por duas vicentinas da Gafanha da Nazaré, Maria da Luz Rocha e Rosa Bela Vieira, antes dessa data, continuando, ainda hoje, a prestar à comunidade diversos serviços, tendo sempre em conta os mais pobres.
Neste dia de festa e de acção de graças, promovido pela direcção, a que se associam as fundadoras, aqui ofereço um excerto do livro em preparação, sobre a vida desta instituição, com sede na Gafanha da Nazaré:


Primeiros passos


A Conferência de Nossa Senhora da Nazaré, da Sociedade de S. Vicente de Paulo, foi criada na paróquia da Gafanha da Nazaré em 16 de Fevereiro de 1953, depois de um tempo de preparação, animado pelo prior Abílio Saraiva. Dela faziam parte, entre outras, Maria da Luz Rocha e Rosa Bela Vieira, que logo se envolveram no apoio aos mais carenciados de amor e de pão.
Nessa qualidade, as duas vicentinas ajudam naquele ano uma rapariga empregada numa taberna, que andava à procura de emprego. Havia sido despedida, por pressão de algumas mulheres de bacalhoeiros, junto do patrão, que receavam que os seus maridos perdessem a cabeça com ela. Este foi o primeiro passo que as havia de despertar para uma acção caritativa na paróquia e cuja meta estavam longe de sonhar. Sabiam, isso sim, que tinham de fazer alguma coisa de concreto por raparigas e mulheres como esta, que desejavam viver com dignidade, obviamente à margem da prostituição, uma escravatura de todos os tempos. Como é sobejamente conhecido, à época, qualquer simples mãe-solteira teria muitas dificuldades em se empregar.
Algum tempo depois, três jovens, de passagem pela freguesia e integradas numa “Barraca de Tiro” ambulante, sabem do apoio dado à rapariga já referida. Tomam a iniciativa então de aparecer em casa de Maria da Luz Rocha, de malas na mão, pedindo que as ajudassem a levar uma vida digna, longe dos ambientes em que se encontravam envolvidas.
Maria da Luz Rocha era uma viúva recente e tinha quatro filhos pequenos para sustentar e educar. Recebe-as a título provisório em sua casa, até que, com a sua colaboradora, possa decidir o que fazer, no sentido de as ajudarem a descobrir soluções respeitáveis para a sua sobrevivência.
As duas vicentinas não mais pararam: movimentam amizades e procuram arranjar-lhes empregos decentes e de acordo com as suas capacidades e necessidades. Muitas tentativas saem frustradas, dada a forte rejeição da sociedade às raparigas marcadas por ambientes menos próprios na zona, onde eram convidadas, depois dos horários de trabalho, a saírem à noite, o que elas não queriam. Sabiam, naturalmente, qual era a finalidade do convite.
O filme “Ao longo da rua”, que contava a história de mãe-solteira que havia sido rejeitada pelo namorado e pai do filho e pela comunidade, mais acicatou em Maria da Luz o desejo de lutar contra a sociedade injusta, apesar da grande maioria da população portuguesa se dizer católica.
Mais uma aparece, entretanto. A bola de neve começa a crescer e a movimentar-se, imprimindo muito ânimo a Maria da Luz Rocha e Rosa Bela Vieira.

Na Linha Da Utopia




PUTIN, ANO 2007!


1. Na eleição simbólica de todos os anos, que vale o que vale mas que fica para a história, a revista Americana Time elegeu o presidente russo, Vladimir Putin, ficando à frente do Nobel da Paz ambiental, Al Gore, e da escritora das aventuras de Harry Potter, J. K. Rowling. Não se pense que, logo à partida, tal eleição represente o mérito das obras valorosas ao serviço da comunidade. Desde 1927 que a revista elege uma personalidade e nem sempre pelos melhores motivos; na lista “menor” dos eleitos estão, por exemplo, Hitler ou Estaline. Assim, o critério, mais que o mérito do bem realizado, sublinha a influência da acção sobre a comunidade, pois pela revista na eleição trata-se de "um reconhecimento do mundo como ele é e dos indivíduos e forças que determinam esse mundo – para melhor ou para pior".
2. Nos últimos tempos muito se tem falado da falta de liberdade de expressão na Rússia, da crise social que permanece, de situações de repressão e mesmo de liquidações pessoais dos denunciadores da autoridade exacerbada de Putin. O certo é que, mesmo no meio deste cenário, e essa é a causa da eleição, o presidente russo devolver o “poder” ao poder russo e, apesar de tudo, a estabilidade que os seus concidadãos pretendiam, recolocando a Rússia no mapa das grandes potências mundiais. Se dos comentários políticos americanos as palavras são poucas, também da Rússia um certo “silêncio” estratégico sobre esta eleição será a “satisfação” por recolocar no cenário internacional a Rússia como incontornável actor político (e económico).
3. E agora, o que se segue? A visão energética do gás muito colaborou para este recentramento russo. Politicamente, o “princípio da incerteza” será capitalizado por Putin e, na base desta autêntica rampa de lançamento, servirá a estratégia do poder de uma Rússia que tem sede de protagonismo. Por agora está acertada a táctica anunciada de Putin deixar o governo no próximo ano, mas indicou a perspectiva de se tornar primeiro-ministro se seu aliado mais próximo, Dmitry Medvedev, for eleito para sucedê-lo na Presidência russa. Vamos a ver!... A certeza é uma, a história da Rússia, dos Czares, daquele lado do mundo, simbolicamente, está de volta à cena mundial. Boa notícia? Depende. Putin ganhou agora argumentos de peso (autoridade) para “engordar” no poder com o que isso implica o puxar de todos os cordelinhos da auto-estima de um povo “decaído” nas últimas décadas. Pelo perfil da história russa, pode ser perigoso.
4. Uma certeza está garantida, nada será como dantes, pois a afirmação russa será isso mesmo, afirmação, crescimento, imposição, autoridade internacional. Em tudo há que contar com o contrapeso russo. Esperamos que sempre para o melhor!

Alexandre Cruz

FÁBULA DE VEADOS



Dois veados pobres juntam-se para sobreviver: um pede esmola e outro vende sucata. Tinham descoberto a amizade.
Certo dia, encontram outro veado pobre e solitário. Convidam-no a andar com eles. Haviam descoberto a fraternidade.
E assim fazem a outros veados perdidos que vagueiam nos caminhos da vida. São já um conjunto admirável com seus destacados adornos. Tinham descoberto a solidariedade.
Numa bela ocasião, celebram uma festa com os seus pobres meios. Haviam descoberto a alegria.
Juntos, fazem planos quase sempre utópicos. Tinham descoberto o sonho, o entusiasmo.
Vão aonde querem, sem horários nem chefes, desfrutam do sol e das estrelas quanto lhes apetece. Haviam descoberto a liberdade.
Dormem quase todos a céu aberto, alguns num curral e outros numa cerca sem portas.
Sentem cada vez menos a solidão e a companhia dá-lhes grande alegria, enche-os de satisfação. Tinham descoberto a felicidade.
Porquê – perguntam uns aos outros – não vamos oferecer à sociedade este “saco” de valores preciosos que conseguimos e tanto nos enriquece?! Parece que lhe falta algum ou mesmo todos. E cheios de generosidade põem-se a caminho e começam a fazer a sua oferta. Mas a sociedade ri-se deles, humilha-os com insultos, expulsa-os e marginaliza-os.
Eles, felizes, voltam ao seu ritmo de vida, a passar a noite nos locais habituais, nos bancos do parque, nos vãos das escadas.
Na manhã seguinte, dão conta de que a sociedade está arrasada e destroçada pelo egoísmo, a inveja, a avareza e o materialismo. A Bolsa de Valores económicos registava uma queda acentuada e a bolsa dos valores morais havia pedido asilo em qualquer limbo remoto.
Então a sociedade apressa-se a exigir aos veados os seus preciosos valores. E eles, a uma só voz, entoam esta canção mensagem: “Se não sabes como sair e a vida te faz em fanicos, nosso conselho hás-de ouvir: faz-te pobre e serás rico.”

Texto de uma pessoa em situação de “sem lar”
adaptado por Georgino Rocha

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

MEMÓRIAS DE NATAL



Naquele tempo


O Natal, pelas vilas e aldeias do norte da Bairrada e Baixo Vouga, entre as décadas médias do século XX, era vivido no aconchego da família… com pouco de interacção comu-nitária. Quando muito, esta manifestava-se nas celebrações litúrgicas da noite de Natal, em tempo restrito. Melhor explicando, globalmente, naquele tempo… era assim, conforme a memória me vai recordando…
Começadas as novenas do Advento, mais ou menos monótonas e repetitivas – e, por isso, pouco frequentadas - ia-se fazendo, gradu-almente, por párocos e professores do ensino primário, a sensibilização da “pequenada” para a “festa” do Natal. Porém, nada de novo se notava que fizesse supor que ia haver festa, salvo a lembrança deixada pelo senhor prior, alertando para a necessidade de “armar o presépio na igreja”. Nada mais! Mas, como se calcula, esse convite, em zonas onde raramente acontecia algo de diferente, despertava alguma curiosidade. Por isso, marcado o dia e hora, formava-se um pequeno grupo para ir apanhar musgo, plantas secas e outras de tipo ornamental, pedras eventualmente musgosas, etc., de forma que, pelos primeiros dias de Dezembro, tudo estivesse colhido e devidamente guardado, pronto para a “armação”.
E, já com as manhãs e as noites bem frias, num sábado à tarde, sob coordenação das catequistas, o presépio ficava montado, com montes e vales, rebanhos e pastores, lagos e fontes e noras e patos e outras bicharadas… tudo a preceito e numa alusão à diversidade do mundo rural em que se vivia, tendo ao centro, uma sugestiva gruta de aspecto montanhês, na qual se enquadravam as figuras centrais da Natividade – Maria, José e o Menino - com a vaquinha e o burro, por trás da manjedoura, grupos de pastores, pelas encostas, e de anjos, por cima da gruta, enquanto outros grupos de figurantes, nitidamente com ar campestre, se aproximavam do centro em jeito de cantar e dançar, com os reis magos no horizonte do cenário – que se iam aproximando da gruta… Isto é, estava feito o presépio, inaugurado sem cerimónia, o qual concentrava, por cerca de um mês, a adesão dos fiéis, em particular da crianças.
Na noite de Natal, então, sim. Acabados os trabalhos e depois de toda a gente se ter lavado com maior cuidado, juntava-se a família, em sentido mais lato, para um jantar de ambiente e sabor bem diferente do habitual e confraternizar, aguardando-se para tal a indicação da dona da casa que, para essa noite, mais do que nunca, se via convertida em autêntica chefe-cozinheira. Porém, quem presidia à mesa e ao convívio eram os avôs ou, na falta deles, o pai de família. Quanto ao jantar – invariavelmente, bacalhau cozido, batatas e hortaliça – era abundante no essencial da composição, mas não diversificado em ofertas. Se havia frutos secos como aperitivos (nozes, uvas, ameixas, pinhões, figos…), a doçaria era singela, quase sempre na base de abóbora, predominando os bilharacos com canela… eventualmente acompanhados com outra variedade regional (leite creme, aletria, etc), contando com a presença de vinho do Porto. Porém, relativamente ao vinho do jantar, esse era seleccionado, na tradição dos gostos da região da Bairrada ou, então, do Dão.
E o fogo – bem o recordo - crepitava na lareira, nessa noite, com umas brasas mais vivas e irradiando mais calor, pelo que a pouco e pouco, acabado o jantar, todos iam gravitando em torno dela enquanto se queixavam da friagem que, lá fora, cortava os ossos… e aludiam à festividade em curso.
Subitamente, a uma palavra dos mais velhos, todos se preparavam, bem agasalhados, tomando o caminho da igreja para a Missa do galo, celebrada à meia-noite, e, então, festejar, com cânticos religiosos o nascimento de Jesus. Acabada a missa e de regresso a casa, percorriam-se as “fogueiras de Natal” que ardiam nos cruzamentos mais importantes das estradas da freguesia, feitas com especial carinho para “aquecer o Menino” – embora aquecessem mas era os fiéis passeantes. Mas, agora, seguiam cantarolando ao divino e ao profano, noite dentro, com jogos e brincadeiras do tipo do “saltar a fogueira”, muitas vezes acabando com pequenos bailaricos de bairro, como que vivendo no real as sugestões do presépio…
No dia seguinte, para além da missa de Natal, com o “beijar do Menino” – pois é dia santo - mais nada acontecia identificado com a Natividade propriamente dita e… tinha-se cumprido a “festa”. Ah! Prendas? Bem, não era propriamente uma tradição em uso nas freguesias e vilas rurais, mas começou a entrar a pouco e pouco, ao longo da década de 60, quando algumas famílias viram a sua situação melhorada por efeito da emigração para países emergentes da América do Sul ou, mais ricos, os do ocidente europeu, aliando algum desafogo económico e conforto à importação da tradição já por aí arreigada.
Assim, verdadeiramente assinalável, era aquela “noite santa” vivida em amplo convívio familiar e no aconchego de um jantar que, não sendo opíparo em suas iguarias, pelo cheiro da canela e outros condimentos, se mantinha por tempos infindos na memória dos sabores, enquanto os cânticos religiosos e outras toadas de época perduravam na retina dos sons!
E com esta mística simples, como simples tinha sido o espírito franciscano que desenvolveu a ideia da festa popular do presépio, se vivia esse Natal feliz, traduzido na música contagiante do “Alegrem-se os céus e a terra”…!

Amaro Neves, historiador

In Ecclesia

Imagens de S. Jorge, Açores

Ilhéu, freguesia do Topo

Freguesia do Topo, Calheta

Parque Natural, Calheta

Calheta, vista da doca



NOTA: Fotos gentilmente cedidas pela professora Susana, docente em S. Jorge

UMA PRENDA DE NATAL




Vale a pena voltar à esperança. Tenho alguma dificuldade em chamar-lhe docu-mento papal. Mas é mais que a medi-tação ascética, dissertação teológica ou resto de sebenta duma aula longín-qua. Penso que esta escrita é como uma tenda onde todos nos podemos al-bergar, fatigados de caminhos percor-ridos e temerosos pelos que há a percor-rer. Raramente um documento pontifício tem uma dimensão tão profunda, huma-na, próxima, interessante, sem deixar de ser teológica, ascética, subtil e frater-na. O Papa envolve-se na nossa aven-tura de fé recheada de perguntas mas com uma saída muito para além dos trilhos convencionais da doutrina, e das exortações. Parece que uma plêiade de homens e mulheres, crentes ou não, foi evocada com textos profundos e próximos, mitológicos e reais, divinos e humanos.
Não é tarefa fácil viajar no meio desta espécie de labirinto onde nunca se perde o sentido do homem, da história, da fé e de Deus. Sempre com a espada da palavra no corte certeiro de cada indecisão. Estranhos autores, exemplos raros, citações surpreendentes, poemas, fragmentos de sermões, filósofos, teólogos, ascetas, numa aparente complexidade reservada à leitura de poucos. Mas um texto que merece ser lido por todos mesmo que à primeira se não entenda tudo. Há de permeio chaves da vida, da morte, da fé, tudo por causa duma esperança que ilumina os fios da história que parece em rotura.
Atrevo-me a propor, como desafio e provocação, esta segunda encíclica de Bento XVI como oferta privilegiada de Natal. Acessível no preço, simples na apresentação, leve de transportar, sem exigir embalagem especial. Dá direito a saltar duas, três, dez linhas. E a seu tempo voltar atrás para as compreender e cada qual compreender melhor a vida. E que venham, no Ano novo, comentários, esclarecimentos, críticas, aplicações, retiros, palestras, teses, mestrados. Ninguém fica de fora porque não há nada lá que não diga respeito à vida de cada um de nós. E à morte. É à luz perpétua como estrela de Natal sobre as nossas frontes. Exacto. É uma luz plural. Ninguém possui, só, nem virtude nem pecado. Posso citar um pouco?: “Ninguém vive só. Ninguém peca sozinho. Ninguém se salva sozinho. Continuamente entra na minha existência a vida dos outros: naquilo que penso, digo, faço, realizo. E, vice-versa, a minha vida entra na dos outros: tanto para o mal como para o bem… A nossa esperança é sempre essencialmente também esperança para os outros; só assim é verdadeiramente esperança também para mim. Como cristãos não basta perguntarmos: como posso salvar-me a mim mesmo? Devemos antes perguntar-nos: o que posso fazer a fim de que os outros sejam salvos e nasça também para eles a estrela da esperança?” (Spe Salvi n.48)
A ler. Sem pressa. E a oferecer.

António Rego

Na Linha Da Utopia



Agricultores e pescadores

1. As notícias desta área da sociedade continuam a não ser animadoras. Efectivamente, não conseguimos fazer uma transição saudável e justa de um modelo de sociedade tipicamente agrícola (de onde vimos) para o modelo industrial e de conhecimento tecnológico (para onde caminhamos). Um modelo poderia ser compatível com o outro. Mas, abandonámos as terras e o mar. País de larga costa e de sol quase durante todo o ano, muitos estrangeiros entre nós (estudantes ou não) admiram-se como não conseguimos tirar partido das potencialidades admiráveis que temos nas nossas condições naturais. Os dados de 2007 estão aí: o rendimento líquido da actividade agrícola cai mais de 12 por cento. Não é uma quebra qualquer, é queda em cima de queda estrutural…
2. Mas, no meio de todo este cenário, quem se preocupa com os resistentes agricultores e pescadores? Como sentem os portugueses estas essenciais tarefas do cultivo da terra e das pescas do mar? Que lugar, na sociedade em geral e na visão das políticas, têm (ou não) estes vectores estruturantes de qualquer país, para mais com as potencialidades naturais de que dispomos? Razões existem sempre. Dos dados deste ano, dizem os analistas que a quebra deve-se ao quadro meteorológico desfavorável e aos novos cenários de concorrência internacional que agravam o sector. Sabemos que, se há áreas em que os poderes de decisão estão em Bruxelas, esta é uma delas. Neste quadro europeu-global, cheio de desafios mas também repleto de possibilidades nas culturas e fainas que nos são originais e características, a sensação é que fomos e vamos perdendo a terra e o barco…
3. Das coisas mais sintomáticas de uma triste fuga ilusória à nossa própria génese, é o abandono das terras e o envelhecimento de quase todo o mundo piscatório. Há meses um especialista investigador da área dizia que nós, os portugueses, que não tivemos a Revolução Industrial, adquirimos o automóvel mais tarde e queremos levá-lo para todo o lado, até para baixo da secretária, daí a dificuldade de assumirmos os transportes públicos como parte da vida diária (isto para além das razões da necessária melhor rede de transportes…). Talvez ao abandono das terras, um abandono estrutural a que vão resistindo autênticos novos heróis portugueses, também esteja na ilusão de darmos um salto maior que a perna... Verdade se diga, mesmo nas exigências das concorrências do quadro europeu não é incompatível o desenvolvimento tecnológico com uma necessária visão integrada das nossas potencialidades agrícolas únicas. Mesmo sem as subsidiodependências, a realidade de muitos países europeus o demonstra.
4. O que nos falta? Talvez uma relação pacífica de mentalidade com as nossas terras (afinal, donde provimos). Ou, não estarão também o próprio turismo e as 1001 doçarias e variedades regionais enraizadas na faina agrícola? Mesmo no meio da complexidade destas questões, a costa e o sol portugueses exigiriam mais e melhor, começando por uma visão política consensual. Para quando? Ou os “choques tecnológicos” “escondem-se” das terras e do mar? (Chegaremos um dia a “comer” tecnologias?! Ou compraremos mesmo tudo? Ou ainda, virão os “de fora” produzir na nossa terra as nossas especialidades únicas que o clima permite?) Qualquer coisa de novo nesta área será urgente. Já é tarde!

Alexandre Cruz

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Propriedade agrícola dos nossos avós

Pe. Resende Sobre a propriedade agrícola diga-se que nos primeiros tempos do povoamento desta região ela era razoavelmente extensa. Porém, à...