quarta-feira, 22 de abril de 2015

Os "banha da cobra"




De vez em quando, o saco das minhas memórias, talvez por demasiado cheio, abre brechas e algumas recordações saltam cá para fora. É curioso que, pensando bem, não brotam por dá cá aquela palha, porque, sem eu me dar conta, haverá razões que me fazem reviver cenas da minha infância. 
Hoje, por exemplo, lembrei-me dos "banha da cobra" que montavam banca às portas das igrejas, aos domingos, depois da missa, mas também nas feiras e arraiais. Chegavam com uma ajudante, subiam para um palanque, mala em cima de uma mesa improvisada, e mal o povo começava a sair da missa, punham-se a apregoar os seus produtos, em especial a "banha da cobra", que curava todas as maleitas, num esfregar de olhos. 
A pomada, afiançavam, exibindo atestados dos mais eminentes cientistas de Portugal e arredores, curava mesmo tudo. Dores de cabeça e de dentes, urticária, nervos e artroses, diarreias e sarampo, reumatismo e cólicas de qualquer espécie, queda do cabelo e impingens, torcicolos e trasorelho, mau-olhado e invejas, entorses e ventre descaído, unhas encravadas e tumores... Era tão milagrosa que até nem se podia vender nas farmácias, porque dispensava todos os outros fármacos, o que se traduziria em prejuízo para o negócio dos farmacêuticos e das indústrias que lhe estavam ligadas.
A conversa do vendedor, com paleio para dar e vender, com ou sem megafone, era de tal modo convincente que o povo, antevendo a cura dos seus males, queria doses dobradas, para si e família e até para vizinhos. E como especialistas em técnicas de vendas, com a ajuda da colaboradora, começava a distribuição, clamando alto e bom som que, quem pagar duas bisnagas leva três. Três para esta senhora, seis para aquele cavalheiro, e mais para esta aqui, que anda um pouco amarela, mas que vai ficar rosadinha, com a pomada santa.
O negócio evoluiu e do megafone os “banha da cobra” saltaram para a aparelhagem sonora, que guinchava que se fartava. E chegou aos nossos dias, com honras da rádio e da televisão. Bem-falantes, bem engravatados, com história que não muda. Leve duas embalagens e pague uma. O elixir da longa vida e da eterna juventude está na conversa fiada de gente que promete mundos e fundos para a nossa desejada felicidade… É só ouvir e seguir os seus conselhos. Ou fugir deles…

terça-feira, 21 de abril de 2015

Humildade

"A humildade é a base e o fundamento de todas as virtudes
 e sem ela não há nenhuma que o seja". 

Miguel de Cervantes Saavedra (1547-1616)

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Grandes veleiros



Tenho saudades dos grandes veleiros. São espetáculo raro entre nós, mas quando chegam ou zarpam, rumo a outras paragens, deixam saudades. Multidões, de perto e de longe, sabem apreciá-los e a romaria estende-se a todos os que se abrem aos olhares de curiosos e entendidos. O porte e o colorido são desafios para a nossa imaginação. Neles, seriam viagens de sonhos ímpares que guardaríamos vaidosos. Que haja motivos fortes para que demandem a barra de Aveiro e ancorem nos cais do nosso porto. São os meus votos.

Naufrágios e mortes no Mediterrâneo



Somos bombardeados frequentemente pelas notícias de naufrágios e mortes no Mediterrâneo. Tristeza, revolta, hipocrisia, crime, desespero, fome, desemprego, miséria, tráfico de pessoas, clandestinos, guerras, perseguições e políticas desumanas são palavras que me ocorrem. 
O Papa Francisco bem protesta, bem diz que a palavra que lhe ocorre é vergonha, mas tudo continua na mesma. Há leis e políticas de imigração e de emigração, há reportagens e mobilização de algumas instituições humanitárias para acudir aos sobreviventes e decerto para enterrar os mortos. Mas os desastres continuam e os políticos europeus permanecem atentos ao seu umbigo. Agora parece que vão reunir-se numa cimeira de emergência para tentar encontrar uma saída. Pode ser que daqui nasça uma comissão para estudar o assunto.

domingo, 19 de abril de 2015

Miguel Torga para refletir


Uma carta à Diretora do PÚBLICO


Miguel Torga actual

Partilho um pedaço da boa prosa de Miguel Torga, escrita em Chaves e publicada no seu Diário XIII. Escrita em 12 de Setembro de 1978? Não será gralha? Parece que Torga ressuscitou - para ver, com olhos tristes e cansados, os meninos a brincarem, chamando-se nomes e mais nomes feios, a candidato a candidato a Presidente da Res Publica (?) - e escreveu isto ontem... "com oitocentos anos de História, parecemos crianças sociais. Jogamos às escondidas nos corredores das instituições." Senhora directora, caros jornalistas, amigos leitores, leiam e reflictam, por favor, sobre este texto tão actual porque vos fará bem, ainda hoje, ainda hoje! “Bem quero, mas não consigo alhear-me da comédia democrática que substituiu a tragédia autocrática no palco do país. Só nós! Dá vontade de chorar, ver tanta irreflexão. Não aprendemos nenhuma lição política, por mais eloquente que seja. Cinquenta anos a suspirar sem glória pelo fim de um jugo humilhante, e quando temos a oportunidade de ser verdadeiramente livres escravizamo-nos às nossas obsessões. Ninguém aqui entende outra voz que não seja a dos seus humores. É humoralmente que elegemos, que legislamos, que governamos. E somos uma comunidade de solidões impulsivas a todos os níveis da cidadania. Com oitocentos anos de História, parecemos crianças sociais. Jogamos às escondidas nos corredores das instituições.”

Nelson Bandeira, Porto

A ressurreição não pode ser adiada (2)

Crónica de Frei Bento Domingues 

Frei Bento Domingues

1. Creio que a nossa ressurreição depois da morte é tarefa exclusiva do Deus dos vivos. Está bem entregue.
É a ressurreição dos mortos-vivos, dos sem rosto, dos mais pobres, dos mais desfavorecidos, dos não rentáveis, dos ejectados do círculo virtuoso do liberalismo económico, que constitui o desafio lançado a todas as pessoas de boa vontade. A peça de teatro de Jean-Pierre Sarrazac, O Fim das Possibilidades - uma Fábula Satânica –, encenada por Nuno Carinhas e apresentada nos TNSJ e TNDII [1], mede-se precisamente com o que há de mais arcaico e persistente no livro de Job, confrontado com as características da crise actual, aprofundando, em parábola, o seu conhecimento, a partir de muitos afluentes. 
Temos de enfrentar a desesperança, mas sem recorrer à publicidade enganosa: “o futuro está de volta”. José Silva Lopes era considerado um dos maiores economistas do país, mas não confundia a esperança com ilusões. Recebeu o Expresso [2] para uma entrevista, dois meses antes de morrer. Temos, agora, acesso à sua opinião sobre algumas questões incontornáveis da nossa actualidade.

Hoje apeteceu-me silêncio

Dunas na Praia da Barra

Há dias assim. Hoje apeteceu-me silêncio. Porta fechada às saídas, descoberta de um  recanto mais tranquilo, leituras sem pressas que me conduzissem para longe da minha rua que, também ela, não alimenta grande trânsito nem ruídos. 
Rentes de Carvalho, um escritor de quem lera uns textos apenas no seu blogue Tempo Contado e em publicações periódicas, guiou-me boa parte do dia por Trás-os-Montes, com o seu livro "Ernestina", um romance autobiográfico com boa dose de ficção a enriquecê-lo. Que delícia. Depois, para descomprimir, a leitura da entrevista de fundo da revista E do Expresso com Umberto Eco, feita pelo jornalista Luciana Leiderfarb. Umberto Eco, com os seus 83 anos, senhor duma cultura impressionante, é uma referência a ter em conta. Lê-lo é um prazer. De permeio, umas conversas com filhos e neta. A minha Lita sempre presente, mesmo que ausente.
A agenda registava tarefas programadas há dias. Tive mesmo de evitar segui-la. 
A chuva, de vez em quando, carregava o ar e a nostalgia aconchegava a minha desejada serenidade. Sem preocupações, sem tarefas escravizantes, sem barulhos exasperantes, sem horários que me manietassem. Todo eu e as minhas leituras. Agora  já é outro dia. Um bom domingo à medida de cada um. 

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O Toti e a Tita foram animais das nossas vidas. Aqui estão no relvado com a Lita. Descontraídos e excelentes companheiros, cada um com o seu...

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