Por Anselmo Borges, no DN
Imagino Deus como alguém que está presente, que olha por ti,
que conhece a tua mente melhor do que tu próprio. Alguém com quem se partilha
problemas, que cria momentos especiais de intensidade, e a sensação de um
contacto directo com momentos de revelação. Imagino que quem acredita tenha
essa capacidade para admitir que está perdido e tem esperança de que Deus o vai
ajudar a encontrar o caminho. Tem a capacidade para admitir tudo, de ser muito
honesto com Deus - porque Deus vai perdoar, porque Deus é amor e por isso nunca
se está sozinho. Imagino que isso saiba muito bem. Simplesmente não me parece
plausível." Esta a resposta de Alain de Botton à pergunta do Público:
"Como é que imagina Deus?"
A. de Botton, que diz não ter sensibilidade para a fé em
Deus, pensa que os ateus têm muito a aprender com as religiões em problemas
fundamentais. No seu livro, que já aqui apresentei, Religião para Ateus. Um
guia para não crentes sobre as utilizações da religião, escreve: "A
essência da tese apresentada aqui é que muitos dos problemas da alma moderna
podem ser resolvidos graças a soluções propostas pelas religiões", cuja
sabedoria "pertence a toda a humanidade, mesmo às pessoas mais racionais,
e merece ser selectivamente reabsorvida pelos maiores inimigos do sobrenatural.
As religiões são por vezes demasiado úteis, demasiado eficazes e inteligentes
para serem entregues apenas aos crentes". "Deus talvez esteja
morto", mas os problemas que levaram até ele continuam aí e o ateísmo não
pode esquecer as respostas das religiões, que continuam pertinentes.
Tenho aqui sublinhado a necessidade que os crentes têm de
ouvir os ateus, pois, pelo facto de se encontrarem fora, estão mais capacitados
para se aperceberem da desumanidade, intolerância e superstição que se apoderam
tantas vezes das religiões. Mas, agora, é um ateu que reconhece as vantagens e
benefícios das religiões, a ponto de, ao contrário do que faz R. Dawkins, não
pretender converter as pessoas religiosas ao ateísmo. Parece-lhe cruel e uma
loucura "convencer alguém a deixar de acreditar em Deus", confessou
também ao Público.
Ninguém sabe se Deus existe ou não. Volto sempre ao filósofo
ateu André Comte-Sponville, que escreve que é tão imbecil alguém dizer que
"sabe" que Deus existe como outro dizer que "sabe" que Deus
não existe. De facto, Deus não é objecto de saber, mas de fé, e o crente tem
razões e o não crente também tem razões. As religiões, sendo humanas, trazem
consigo uma enorme herança de oportunismo, violência e miséria moral, mas são
igualmente fonte de dignidade, verdade, imensa generosidade.
Para A. de Botton, um dos aspectos mais dramáticos do nosso
tempo é a solidão, que as religiões superam mediante a vivência comunitária,
onde conhecidos e desconhecidos se reconhecem como amigos.
As religiões conhecem bem as fragilidades humanas - a
angústia, as tentações de injustiça, a maldade, a paralisia dos remorsos pela
incapacidade de atingir níveis decentes de integridade - e sabe lidar com elas.
Para lá do saber, interessam-se pela sabedoria: qual a finalidade do meu
trabalho?, como devo amar?, como posso ser virtuoso?, como viver com arte?,
qual o sentido da existência?
Questão essencial é a do ensino. Os espaços cimeiros do
saber não apresentam o género de assistência dada pelas religiões, porque há
"a convicção de que a Universidade se deve abster de toda a associação
entre as obras culturais e as preocupações do indivíduo". No entanto, as
necessidades íntimas permanecem e seria necessário haver cursos sobre como
estar só, o trabalho, as relações com os filhos, o contacto com a natureza, o
confronto com a doença e a morte. Pede-se "uma Faculdade das relações
humanas, um Instituto sobre a morte, um Centro do conhecimento de si".
Adultos, continuamos com uma parte de infância em nós e
"o culto mariano ousa sugerir a todos os ateus que também eles continuam
vulneráveis e pré-racionais no seu coração".
E a arte? O cristianismo sabe para que serve: "Um meio
de nos lembrar o que conta." O silêncio, a contemplação, a virtude, a
transcendência.