«Felizes os que cultivam a mansidão e a humildade, sobretudo em situações de irritabilidade e violência, e optam pela intervenção directa não violenta, mas persuasiva e paciente. Em todas as situações, sobretudo na família e na escola, no ambiente de trabalho e de lazer. Sem esquecer o desporto e as suas claques. Mansidão que nos faz mais sensíveis à relação com as pessoas e a natureza, à contemplação do belo e da harmonia do universo, do sol poente e do abraço amigo.»
A liturgia da festa de todos os Santos faz-nos ver uma multidão imensa, que “ninguém pode contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas”. Identifica-os como os “melhores filhos da Igreja”. E garante que são para nós exemplo a imitar e apoio para a nossa debilidade. Eles alcançaram a meta e nos estamos a caminho, unidos pela paixão que dá sentido à nossa vida: Mostrar por acções que a novidade do Evangelho de Jesus humaniza as relações humanas e robustece os esforços de quem colabora na construção de uma sociedade de todos/as, em que a dignidade se espelha na liberdade responsável de cada um/a.
O caminho a percorrer é claramente indicado por Jesus aos discípulos e à multidão que o acompanha. Quer dizer é caminho para todos. Mateus apresenta-o no início do “manifesto” programático do Reino (Mt 5, 1-12) no cimo da montanha, estando Jesus sentado, como mestre, à semelhança de Moisés. E realça a fluência do discurso que, em sequência progressiva, proclama as vias concretas da felicidade. Vias relacionadas com as situações de vida presente, embora abertas ao futuro definitivo de Deus. E destaca a admiração dos ouvintes perante a clareza e a autoridade do ensinamento apresentado. Reacção que brota certamente do contraste com o que outros mestres faziam e se divulgava como modo normal de ser feliz. Reacção que, certamente, se verifica entre nós que queremos levar a sério as bem-aventuranças da felicidade. Vamos salientar o contraste possível que se encontra na leitura do Evangelho de hoje.
Felizes os que vivem em espírito de pobreza e sobriedade, relativizando a riqueza material e apreciando os valores de realização integral de todas as pessoas, valores que “não se compram, nem se vendem, não se pesam nem medem”. Valores que brotam de um coração educado e bondoso, que desenvolve as suas capacidades e as coloca ao serviço dos outros, necessitados de ajuda e atenção. É a felicidade que resplandece no estilo de vida e nas atitudes de Jesus como ele irá testemunhar no exercício da missão pública.
Felizes os que cultivam a mansidão e a humildade, sobretudo em situações de irritabilidade e violência, e optam pela intervenção directa não violenta, mas persuasiva e paciente. Em todas as situações, sobretudo na família e na escola, no ambiente de trabalho e de lazer. Sem esquecer o desporto e as suas claques. Mansidão que nos faz mais sensíveis à relação com as pessoas e a natureza, à contemplação do belo e da harmonia do universo, do sol poente e do abraço amigo.
Felizes os que têm lágrimas de solidariedade, de compaixão e proximidade para com os que sofrem, vítimas de maus tratos e de carências sem fim, sobretudo de amor compreensivo e libertador; lágrimas de revolta pacífica que gera as mais ousadas atitudes e despertam a letargia dos insensíveis e dos indiferentes, especialmente dos responsáveis por minorar os males verificados. A alegria do coração brota do compromisso com os débeis e ostracizados, como fica claro no exemplo de Madre Teresa de Calcutá.
Felizes os que escolhem percorrer os caminhos de justiça porque sentem o coração necessitado de mais e melhor que vem de Deus e quer ser repartido em medidas humanas. “Há uma íntima felicidade quando sentimos fome de Deus, fome de paz, fome de justiça, pois neste desejo se vislumbra a felicidade que, por vezes, vemos no sorriso de uma criança que tudo espera da sua mãe; ou de um idoso e de um doente que dependem de quem os cuida e aguardam um sorriso ou uma carícia”. J. Rubio Fernandez, Homilética, 2017/5, p. 628.
Felizes os que são misericordiosos, dão e recebem ajuda que humaniza, vence a dureza e a frieza do coração, abate muros e ergue pontes de comunhão, corre riscos de se deixar contagiar pela bondade que irradia de tantos rostos, às vezes, cheios de rugas de amargura e esquecimento. Deixar-se ajudar quando é necessário é experimentar a felicidade de ser frágil e estar dependente e proporcionar a outras pessoas a oportunidade de serem misericordiosos. Como os avós em relação aos familiares, os idosos em relação às gerações novas.
Felizes os que cuidam do coração e educam os desejos, apreciam a limpeza interior e a transparência, não pactuam com as intenções escondidas e malévola, abominam a mentira e o calculismo interesseiro, a cegueira que não olha a meios para alcançar os fins. O coração feliz tem outro bater e segue outro ritmo: o da simplicidade e da singeleza, da pureza no sentir e no ver, que são reflexo em nós do olhar de Deus.
Felizes os que promovem a paz assente no respeito pela justiça, que se pôem a caminho para dar e receber o perdão e promover a reconciliação, dos que estão prontos a sanar as feridas provocadas e ainda não cicatrizadas, as ofensas não reparadas. A felicidade dos violentos é efémera. A paz da consciência, fruto da compreensão recta das relações humanas à luz dos critérios do Evangelho, tem garantias duradoiras: “Serão chamados filhos de Deus”, afirma Jesus.
Felizes os que tém a coragem de ser coerentes com as consequências do bem feito e da justiça praticada, aceitando o sofrimento que lhes é imposto, e a perseguição que lhes é movida. O reino dos Céus brilha na sua atitude paciente e silenciosa que aguarda a vez e a voz de Deus a dar-lhes razão. Então será descoberta a verdade que certamente confundirá os intriguistas violentos.
Jesus conclui o seu ensinamento com uma certeza reconfortante: “Felizes sereis, quando por minha causa…disserem todo o mal contra vós. Alegrai-vos e exultai, porque é grande nos Céus a vossa recompensa”. Como Ele, os que perdedores deste mundo são os verdadeiros vencedores. As bem-aventuranças são preciosos marcos do nosso caminhar. A festa de todos os Santos dá-nos a garantia de que é possível vivê-las agora. A celebração dos Fiéis Defuntos mostra-nos claramente que há um prazo para o fazer. Depois, será tarde. Sejamos coerentes com a mensagem que nos chega.