sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Georgino Rocha — O Senhor vem. Acolhe-O e com ele prepara o teu futuro


A Igreja destaca o encontro definitivo com Jesus, o Senhor, para o inicio do Ano litúrgico. É uma atitude muito humana, de sábia pedagogia. Semelhante à do corredor que se lança na pista tendo bem presente a meta a alcançar. Os seus esforços estão todos ao serviço do êxito pretendido: escolha da posição no grupo de colegas que correm em conjunto, marcação de ritmos, reabastecimento de energias, aceitação benevolente do apoio dos circunstantes; tudo converge em alcançar o objectivo desejado; tudo está animado pela esperança activa e vigilante; tudo a aguardar que o sonho se converta em realidade e a surpresa supere a expectativa. Em cada passo, está já o começo da meta.

Marcos, o autor dos relatos dos episódios da vida de Jesus que se lêem nas celebrações dominicais deste ano, apresenta uma parábola em que visualiza a atitude dos discípulos perante o que vai acontecer. Situa-a no conjunto dos últimos ensinamentos de Jesus, antes de entrar no processo da paixão. Recorre a um estilo sóbrio e persuasivo. Aduz o exemplo da figueira estéril, do ladrão inclemente. Anuncia que haverá sinais a observar e a interpretar: sinais característicos dos tempos da grande tribulação, típicos de uma nova situação a emergir. E conclui: Vigiai para que não terdes a consciência ensonada e serdes surpreendidos.

A parábola é emblemática e breve a sua narração. (Mc, 13-33-37). Um homem faz uma viagem e confia os cuidados da casa aos seus empregados, assinalando a tarefa de cada um. Encarrega o porteiro do cuidado especial de vigilância. E deixa-os na expectativa de quando será o regresso. Marcos, tendo presente as quatro vigílias da noite que os soldados romanos observavam para mudar de turno, vai mencionando o cair da tarde, a meia-noite, a madrugada, o amanhecer. Pode ser a qualquer hora. Fica tudo em aberto. Não porque o dono da casa fomente a ansiedade ou queira provocar o sobressalto. Seria masoquismo. Mas porque ama os seus empregados e quer que desenvolvam capacidades adormecidas em tempos de acomodação, de certezas rígidas, de seguranças costumeiras; capacidades como a atenção ao que acontece à nossa volta e mais longe, o discernimento dos sinais que interpelam a nossa indiferença, a paciência no tempo de espera, a confiança que o encontro se realizará e que a festa do regresso se celebrará, a aventura de avançar na vida como se o Invisível se deixasse ver. E o dono volta. E o advento do Senhor Jesus acontece em Natal de plenitude.

Entretanto, prestai atenção: Vigiai! Que a surpresa não vos apanhe de improviso pela vossa dormência e indiferença. Esta consigna dada aos empregados, passa aos discípulos ouvintes e alarga-se a todos sem distinção. “O que vi digo a vós, digo-o a todos. Vigiai!”.

Vigiai, cuidando da minha casa feita em harmonia e biodiversidade, confiada desde os alvores da criação ao homem e à mulher, espelho da minha imagem e semelhança; velai para que seja um jardim onde dê gosto viver e conviver em cordial relação de amizade e gestão de recursos; velai pela hierarquia de verdades e não vos deixeis confundir por ideologias que visam alterar todo o sistema orgânico deste conjunto vital que vos deixo como herança.

Tende cuidado convosco. Respeitai-vos mutuamente como irmãos em humanidade, que eu quero ajudar a salvar. Que não haja sangue inocente derramado por ódio, retaliação, perseguição de consciência ou guerra de religião. Sois todos irmãos! Removei o que pode provocar distúrbios semelhantes. Vigiai pelo sustento de todos, sem distinção: comida saudável suficiente, água potável, cuidados de saúde integral, economia solidária sustentável, convivência em harmonia e estima mútua, abertura aos valores que expressam a nobreza humana de cada um, resposta consciente ao amor que Deus Pai vos tem. Sois Seus filhos e meus irmãos! Velai pela herança que vos confio. Olhai que nos espera um futuro de família em comunhão.

Aceitai a minha companhia, feita dom e guia, graça de misericórdia e amor de reconciliação. Desenvolvei a atitude teologal da fé, esperança e caridade. Reuni-vos como irmãos em assembleias dominicais, lede a palavra que vos deixo e comungai com dignidade o sacramento do meu corpo e sangue, a Eucaristia. É alimento para o vosso caminhar de peregrinos confiantes. Valorizai a Igreja, instituição em transformação missionária para ser cada vez mais serviço de salvação universal. Não vivais de saudades melancólicas. Avancemos, como atletas no estádio. Lembrai-vos do exemplo de Abraão, Moisés e tantos outros. Lede com atenção a carta aos cristãos de Roma que evoca a memória de quem pela fidelidade a Deus no quotidiano se tornou verdadeiramente exemplar. E atendei ao testemunho de Paulo, meu apóstolo, que se porta, como corredor de fundo: “Irmãos, não acho ter já alcançado o prémio, mas uma coisa faço: esqueço-me do que fica para trás e avanço para o que está adiante. Lanço-me em direcção à meta, em vista do prémio do alto, que Deus nos chama a receber em Jesus Cristo” (Fl 3, 13 e 14). A meta está já no primeiro passo da corrida. Procuremos iniciar bem e manter bom ritmo. A árvore está contida no gérmen da semente. Como o agricultor solícito, tratemos dela com cuidado. A surpresa do futuro prepara-se no presente.

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Efeméride - Nascimento de Egas Moniz

1874-XI-29

«Nasceu em Avanca, no actual concelho de Estarreja e distrito de Aveiro, o Professor Doutor António Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, ilustre cientista, pioneiro de descobrimentos médicos, que seria galardoado em 1949 com o Prémio Nobel de Fisiologia e de Medicina (Arquivo, X, pg. 325, e XXI, pgs. 277-282) – J.»

"Calendário Histórico de Aveiro" 
de António Christo e João Gonçalves Gaspar


Quando passo por Avanca, vem-me sempre à memória a personalidade marcante em vários domínios do premiado Nobel da Medicina Egas Moniz, galardão partilhado com outro notável.
Egas Moniz nasceu neste dia e faleceu em 13 de dezembro de 1955, estando sepultado na sua terra-natal, ao lado de sua esposa. No monumento erguido para perpetuar a sua memória, em Avanca, pode ler-se uma legenda expressiva que muito aprecio: “Aqui viu luz nova luz da humanidade”, que sintetiza muitíssimo bem, em meu entender, a alta valia do seu mérito científico, mas ainda da sua envolvência multifacetada noutros domínios, desde a cultura, até à política, passando pela literatura, pela medicina e pelo colecionismo, bem patente na Casa Museu que legou à sua terra e região. Foi um notável conferencista e um apreciado orador.

terça-feira, 28 de novembro de 2017

60 milhões de euros em 2018 para proteger o litoral



Em 2020, haverá garantias de estudos e trabalhos para proteger o litoral português, diz uma reportagem no Diário de Notícias. Esperamos que até lá as dunas do litoral aveirense suportem os ataques por vezes furiosos das ondas. Ficamos a aguardar com esperanças de que  nada de mau aconteça durante os próximos tempos.

«Uma das ações em destaque no grupo das primeiras 140 até 2020 é a que fará o desassoreamento da ria de Aveiro, um projeto que está orçamentado em 23,5 milhões de euros (ver mapa), e cujos inertes - as areias retiradas do fundo da ria - serão utilizados na zona imediatamente a sul, para fazer a tal realimentação sedimentar, numa zona onde a erosão costeira é já uma realidade - 20% da linha de costa baixa e arenosa constituída pelos sistemas de praia/duna já é afetada pela erosão.»

Gaivotas na hora da sesta


Não somos só nós, os humanos, que gostamos da sesta. As gaivotas, como outros animais, também sabem aproveitar os momentos certos para a sesta retemperadora. Ao longe nem tinha a certeza do que via, mas a máquina fotográfica levou-me a descobrir a mancha branca que divisei ao longe, no prolongamento da ilhota que se vê bem da ponta da Barra. Contudo, não compreendi a razão de não terem optado pela ilhota, com terra mais seca e porventura mais própria para o descanso. Mas as gaivotas lá terão as suas razões. Por algum motivo será, mas não houve hipótese de lhes perguntar.

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Publicidade natalícia


A publicidade é uma arte. É a arte por excelência de vender ou de sugerir a compra de bens, tanto os de uso comum ou normal como os destinados a presentes em datas festivas, nomeadamente  o Natal. E há realmente publicidade de artigos para todos os gostos e idades. A publicidade não pode dispensar o nosso cuidado e análise, porque há muita publicidade enganosa, que é crime, mas que circula por aí, à vista de todos, sem merecer qualquer atenção da ASAE ou demais agentes obrigados a evitar a fraude.
Nos últimos dias, qualquer jornal ou revista é portador de autênticas edições publicitárias, com um ou outro texto alusivo à quadra que atravessamos, alguns com certa poesia e referências à ternura e ao bem e belo que o Natal nos traz cada ano. E depois lá vêm as peças de arte, vinhos, relógios, adereços, anéis e pulseiras, canetas de tinta permanente e outras, computadores, hotéis e restaurante, viagens de sonho e nem sei que mais, tudo para gente endinheirada, que a há neste recanto à beira-mar plantado.
Não sou contra os ricos que têm todo o direito de gastar o seu dinheiro como quiserem e onde quiserem, mas tenho pena dos que nesta quadra nem dinheiro têm para uma simples garrafa de espumante, um leitãozito, uma boa posta de bacalhau e uns bilharacos. Ao menos nós, os remediados, saibamos olhar para os que nada têm no dia a dia. A vida é assim...

Fernando Martins

domingo, 26 de novembro de 2017

Bento Domingues — Teologia da libertação ou libertação da teologia? (3)



1. Depois das duas crónicas anteriores, importa responder à pergunta que as motivou e que elas tentaram introduzir: qual foi o impacto da Teologia da Libertação (TdL) em Portugal?
O peruano Gustavo Gutiérrez, considerado o pai da TdL, explicou, muitas vezes, como ela nasceu e se desenvolveu. Para ele, os anos que vão de 1965 a 1968 foram os mais decisivos na experiência dos movimentos populares da América Latina (AL) e na participação dos cristãos nesses movimentos. A TdL tem aí as suas raízes. A célebre Conferência de Medellin (Colômbia, 1968) assumiu uma das tarefas que João XXIII tinha proposto ao Vaticano II: a causa dos pobres. O tema central da conferência acabou por ser reformulado nos seguintes termos: a Igreja do Vaticano II à luz da realidade latino-americana.
Na TdL existem duas intuições centrais e que foram, mesmo cronologicamente, as primeiras: o método teológico e a perspectiva do pobre. O acto primeiro é o compromisso com o processo de libertação; a teologia brota daí como acto segundo, servida pelas ciências humanas e sociais. É a reflexão crítica a partir e sobre a praxis histórica em confronto com a Palavra de Deus. Esta é acolhida na Fé que nos chega através de múltiplas e, por vezes, ambíguas mediações históricas, que importa refazer no dia-a-dia [1].
As lideranças da Igreja da AL fizeram o que deveria ter sido feito em todos os continentes. O Vat. II trabalhou na viragem do papel da Igreja no mundo contemporâneo. Pertencia às Igrejas locais confrontarem-se com a significação dessa viragem. Esta tarefa exigia a realização de mini-Vaticanos II de acordo com a diversidade de povos e culturas, tornando o concílio efectivamente ecuménico.

2. Em Portugal, como mostrou mais tarde o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, Manuel de Almeida Trindade, o Vaticano II não foi preparado, não foi acompanhado e, por isso, ficou sem pessoas ou grupos que tivessem incorporado esta revolução. Como dizia o cardeal Cerejeira, nós já estávamos muito mais adiantados do que aquilo que era dito, discutido e decidido nessa assembleia conciliar. A tradução dos livros litúrgicos e, na celebração da Eucaristia, o padre ter abandonado a posição de costas para o povo foram ganhos evidentes.
O importante era impedir quaisquer interrogações, discussões, debates. Por outro lado, o regime de censura política era suficiente para preservar o país desse contágio. A inércia dos dirigentes da Igreja portuguesa só podia agradecer.
Não se pode esquecer que a situação do país, a nível interno e internacional, era complicada e agravou-se durante a época conciliar: três frentes de guerra [2], imigração galopante e uma juventude sem perspectivas. São temas já saturados de análises diversas e também não faltam estudos sobre as relações entre a Igreja e o Estado Novo.
O catolicismo tradicional entrou em crise um pouco por toda a parte. Não por causa do concílio, como muitas vezes se diz, mas porque, mesmo a nível do Vaticano, não houve resposta para concretizar as orientações conciliares. Algumas medidas autoritárias, entre elas as referentes à ética matrimonial, aos ministérios ordenados e às mulheres, impediram que o Vat. II realizasse a sua Primavera. O Inverno que se seguiu foi muito longo.
Portugal, além de sofrer o que outras Igrejas sofreram, não estava preparado nem tinha recursos para enfrentar a originalidade das nossas dificuldades. A Acção Católica entrou em crise irreversível e os movimentos que entretanto surgiram não era com o futuro do Vat. II que estavam preocupados.
Com o 25 de Abril, os militantes católicos, cada um com as suas preferências, interessaram-se, sobretudo, pelas dimensões sociais e políticas do país. Não houve, no interior da Igreja, espaços e meios para alimentar a Fé em novo contexto. Os chamados “Vencidos do Catolicismo” e os católicos não praticantes (do culto) passaram a ser uma designação corrente.

3. Falta a resposta à pergunta principal: qual foi o impacto da Teologia da Libertação em Portugal? Uma resposta documentada e exaustiva não cabe nas dimensões desta crónica [3]. É importante esclarecer que a situação que se vivia em Portugal, quando nasceu a TdL na América Latina, era de opressão política e eclesial, como foi referido. Aconteceu, no entanto, um pequeno milagre na teologia não académica. As congregações religiosas (depois também alguns seminários) uniram-se para criar o Instituto Superior de Estudos Teológicos (ISET), no seguimento do que já tinha sido iniciado em Fátima (Sedes Sapientae e ISTA). Teve realizações muito diferentes em diversas cidades do país, mas só trabalhei no de Lisboa. Era uma escola teológica profundamente democrática no seu funcionamento interno, num país de ditadura político-religiosa.
O seu programa foi elaborado para realizar as orientações do Vaticano II. Não era, sobretudo, para explicar os seus documentos. O objectivo era muito mais ambicioso: integrar, na reflexão teológica, não apenas as ciências humanas, mas o pulsar da vida do país em todo o seu devir e complexidade. Assumia as questões da guerra e da paz, as transformações aceleradas no mundo do trabalho e na desertificação rural. Construía uma nova teologia marcada pelos acontecimentos e pelos “sinais dos tempos”, numa tentativa de preparar alunos e professores para discernir o que é que se exigia da Igreja no nosso país em transformação.
Clodovis Boff, ao examinar o que se estava a fazer no ISET, testemunhado no seu boletim, concluiu que, sem o nome, a problemática e o método seguidos eram os praticados na América Latina com o nome de Teologia da Libertação.
O ISET de Lisboa durou de 1967 a 1975. Começou na ditadura e foi encerrado quando a liberdade chegou a Portugal. Uma campanha eclesiástica, acusando esse centro teológico de falta de ortodoxia, serviu para obrigar os seus estudantes a frequentarem a Faculdade de Teologia da Universidade Católica, ainda muito incipiente.
Lembrei esse passado, mas o que me interessa é o futuro reaberto pelo papa Francisco, sonhado e trabalhado por muitos que já não puderam ver esta nova esperança.

Frei Bento Domingues no PÚBLICO

[1] Gustavo Gutiérrez, La fuerza histórica de los pobres, CEP, Lima, 1980
[2] Cf. António Lobo Antunes, Até Que As Pedras Se Tornem Mais Leves Que A Água, D. Quixote, 2017; Isto não é uma crónica, é um vómito de indignação, in Visão (08.06.2017)
[3] Cf. Frei Bento Domingues, O.P., Alguns estilos de prática extra-universitária em Portugal. Breves notas de leitura, in Didaskalia XLVI (2016) II, pp. 91-97; Catarina Silva Nunes, Compromissos incontestados. A auto-representação dos intelectuais católicos portugueses, Paulinas, 2005; Moisés Lemos Martins, Os dominicanos e o ensino da Teologia em Portugal, in A restauração da Província Dominicana em Portugal, Tenacitas 2012, pp. 105-120; Cf. Tb. Teologia da Libertação e prática da Teologia, número especial de Igreja e Missão, n.º 127 (1985)

sábado, 25 de novembro de 2017

No inverno da vida

Aos meus muitos amigos que ontem me felicitaram de variadíssimos modos, com mensagem e palavras bonitas, que muito agradeço, quero dedicar uma reflexão simples, enquanto espero o convívio familiar que o tempo de todos e de cada um adiou para hoje.
Isabel Allende escreveu um livro que ainda não li e que tem por título “Para lá do Inverno”. Na publicidade que lhe é feita, surge uma frase que é um desafio para os mais velhos (uso exatamente a vocábulo velho sem medo nem complexos de qualquer ordem), que diz assim:



No inverno da vida devemos abraçar com força
o verão invencível que levamos na alma”

É isso mesmo. O verão invencível, com o calor humano mais forte que o do sol, com a luminosidade que nos ajuda a ver mais ao longe e com mais nitidez, com o colorido no vestir e no sorrir, com a transparência dos ambientes que consolam a alma, com a ligeireza das nossas andanças e com o à-vontade que as praias suscitam, torna-nos, realmente, mais livres, mais abertos aos outros, mais atentos às riquezas naturais que nos cercam e nos permitem conhecer novos mundos, quantas vezes à nossa porta.
Eu quero com esse verão, que habita o meu ser, tornar-me mais simples, mais atento ao espaço global, mais genuíno no pensar e no agir, mais compreensivo, mais ouvinte e menos falador, mais sensível ao bem e ao belo, mas ainda mais disponível para os que enfrentam injustiças gritantes, sofrendo o horror do abandono, do esquecimento e da marginalização.
Um abraço para todos.

Fernando Martins

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O Toti e a Tita foram animais das nossas vidas. Aqui estão no relvado com a Lita. Descontraídos e excelentes companheiros, cada um com o seu...

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