no Diário de Notícias
Quando, no domínio religioso, não há conceitos claros, entra-se inevitavelmente em confusões deletérias, que impedem a mútua compreensão e o autêntico diálogo inter-religioso.
Será, pois, necessário, em primeiro lugar, perguntar: qual é o critério decisivo para determinar o que é realmente a religião?
Há hoje acordo entre os especialistas no sentido de verem esse critério na referência e relação com uma realidade última salvífica. São fundamentais estes dois elementos: entrada em contacto com a ultimidade, que se apresenta como dando sentido último e salvação. Ao contrário da ideia corrente, no domínio religioso, Deus não é figura primeira e determinante a não ser para um determinado tipo de religião: a religião monoteísta. Deus, no quadro do monoteísmo, apareceu tarde. O conteúdo central da religião é o absoluto, o transcendente, o abrangente, o numinoso. O homem religioso depara-se com o Sagrado, o Mistério.
Para os fenomenólogos da religião, como J. Martín Velasco, por exemplo, o homem religioso é aquele que assume uma determinada atitude face ao Sagrado, entendendo-se por Sagrado aquele âmbito de realidade que se traduz por termos como “o invisível”, “a ultimidade”, “a verdadeira fonte do valor e sentido últimos”, “a realidade autêntica”. A religião não é em primeiro lugar ordo ad Deum (relação com Deus), mas ordo ad Sanctum (relação com o Sagrado). Antes da sua configuração como deuses e Deus, o “objecto” da religião é o Sagrado, que também dá pelo nome de Mistério, que é ao mesmo tempo absolutamente transcendente e radicalmente imanente.
O homem religioso faz a experiência do Sagrado ou Mistério enquanto Presença originante e doadora de toda a realidade. É Presença enquanto Transcendência radical no centro da realidade e da pessoa e, assim, Imanência, isto é, Presença mais íntima à realidade e à pessoa do que a sua própria intimidade. Para o homem religioso, a realidade não se esgota na sua imediatidade empírica: como explica o teólogo Andrés Torres Queiruga, para a sua compreensão adequada, a realidade mesma aparece-lhe como incluindo uma Presença que não se vê em si mesma, mas implicada no que se vê. Mediante certas características – a contingência radical, a morte e o protesto contra ela, a exigência de sentido, sentido último –, a própria realidade se mostra implicando essa Presença sagrada, divina, como seu fundamento e sentido últimos.
O homem religioso faz a experiência do Sagrado ou Mistério enquanto Presença originante e doadora de toda a realidade. É Presença enquanto Transcendência radical no centro da realidade e da pessoa e, assim, Imanência, isto é, Presença mais íntima à realidade e à pessoa do que a sua própria intimidade. Para o homem religioso, a realidade não se esgota na sua imediatidade empírica: como explica o teólogo Andrés Torres Queiruga, para a sua compreensão adequada, a realidade mesma aparece-lhe como incluindo uma Presença que não se vê em si mesma, mas implicada no que se vê. Mediante certas características – a contingência radical, a morte e o protesto contra ela, a exigência de sentido, sentido último –, a própria realidade se mostra implicando essa Presença sagrada, divina, como seu fundamento e sentido últimos.
Neste quadro, é decisiva a experiência da contingência radical do mundo, de cada homem e cada mulher, mas, como escreveu R. Panikkar, precisamente assim: contingência deriva do latim cum-tangere, com o sentido de que “tocamos (tangere) os nossos limites” e, no mesmo acto, “o ilimitado toca-nos (cum-tangere) tangencialmente”. Hegel também o disse: só no Infinito o finito encontra a sua verdade.
A estrutura comum do fenómeno religioso, presente na variedade das religiões, pode ser resumida, segundo J. Martín Velasco, nestes termos: um facto humano específico, presente numa pluralidade de manifestações históricas, que têm em comum: “estar inscritas num âmbito de realidade original designado pelo termo o Sagrado; constar de um sistema de mediações organizadas – crenças, práticas, símbolos, lugares, tempos, objectos, sujeitos, etc. –, nas quais se expressa uma experiência humana de reconhecimento, adoração, entrega, referida a uma Realidade transcendente, ao mesmo tempo que imanente, ao homem, e que intervém na sua vida para dar-lhe sentido e salvá-lo”. A religião enquadra-se na experiência radical de dependência, implicando, portanto, na sua compreensão estrita, um núcleo com dois pólos: um pólo objectivo, constituído pela presença de uma Realidade superior, absoluta, de que se depende, e um pólo subjectivo, que consiste na atitude de reconhecimento dessa realidade por parte do homem. Neste contexto, P. Schebesta apresenta uma definição paradigmática: “A religião é o reconhecimento consciente e operante de uma verdade absoluta (‘sagrada’) da qual o homem sabe que depende a sua existência”. É a partir deste núcleo que se entendem os múltiplos elementos visíveis das religiões: crenças, ritos, instituições, espaços e tempos sagrados, etc., diferentes segundo as culturas e tempos históricos humanos e unidos pelo facto de constituírem mediações religiosas. Na sua variedade, as diferentes definições de religião têm um elemento comum que as caracteriza e autentica: “apontam para uma entidade meta-empírica determinante da atitude humana como base da estrutura da religião. É o último necessário que adopta formas e nomes distintos: o santo, o misterioso, o divino, o sobrenatural. Numa palavra, um algo outro que não é coberto inteiramente com os termos que designam as coisas que o homem tem à mão.”
Anselmo Borges no DN