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Estava cumprido o propósito de João XXIII que falecera meses antes e que ele mesmo expressara na necessidade de introduzir na Igreja “oportunas correções”, de acordo com “as exigências atuais e as necessidades dos diferentes povos”.
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Depois de um longo e animado debate, que terminou com uma votação convincente, 2134 votos a favor, 10 contrários e um nulo, Paulo VI promulgou a Constituição Dogmática sobre a Igreja. Trata-se do documento mais desejado e esperado e, por muitos, considerado a Carta Magna do Concílio Vaticano II. A sua história e conteúdo vão ocupar-nos algumas semanas. Deste modo, pode voltar a ser apreciada e a agradecida por aqueles que por esta Constituição se vêm orientando, recordada e avivada a memória dos que, por rotina, a foram esquecendo e tomarem consciência do seu valor e importância os que vieram depois e porventura a não saborearam, como um dom inestimável e um caminho pastoral novo, que não é uma mera opção.
João XXIII convocara o Concílio com o intuito de renovação da Igreja, da sua missão e leis, da sua presença no mundo com capacidade de diálogo com a sociedade e as outras confissões religiosas. Como já foi dito, em artigos anteriores, não faltaram então, cardeais e bispos a insistir que um concílio era inútil: a Igreja, com o fim da guerra, estava a viver uma fase boa da sua história e o prestígio do Papa assegurado. Um concílio, por desnecessário, só viria a perturbar o clima pacífico reinante.
A verdade, porém, logo se viu na preparação do texto a debater sobre a Igreja. Só a sexta versão apresentada, e depois de muitas tensões e diálogo, encontrou consenso para se iniciar o debate na sala conciliar. A situação, portanto, não era assim tão calma, nem tão clara. De facto, ao tempo debatiam-se na Igreja duas tendências diferentes. Uma conservadora, ligada à história de uns tantos séculos atrás, com forte influência profana e como resposta apologética à Reforma Protestante. Centrava, nesta lógica, a vida e a ação da Igreja na hierarquia do poder. O modelo da Igreja era o da sociedade perfeita, a que nada faltava para se impor ao mundo. A outra, uma tendência aberta, inspirada na vida das primitivas comunidades cristãs. Uma corrente que foi crescendo a partir de 1920, de forte sentido comunitário, com regresso obrigatório às fontes bíblicas e patrísticas, animada por um espirito litúrgico que ia fazendo caminho de participação ativa do povo crente, acompanhada pelo despertar progressivo do laicado, com dimensão missionária e preocupação ecuménica. Não podia deixar de ir nesta linha o longo debate conciliar, que terminou, por fim, com a promulgação da Constituição sobre a Igreja, por Paulo VI, com o título latino “Lumen Gentium”, ou “Cristo, luz dos povos”. Assim se encontrou um texto de grande valor teológico e apurado sentido pastoral, que permitiria uma melhor resposta da Igreja e da sua missão a um mundo que se ia afastando de Deus, batido por muitos e novos problemas de uma sociedade em mudança, atingida em todas as suas vertentes religiosas e culturais.
Estava cumprido o propósito de João XXIII que falecera meses antes e que ele mesmo expressara na necessidade de introduzir na Igreja “oportunas correções”, de acordo com “as exigências atuais e as necessidades dos diferentes povos”. Paulo VI, entretanto eleito, ao decidir a continuação dos trabalhos conciliares interrompidos com a morte do Papa, tornou expresso o seu desejo da “necessidade da Igreja encontrar, finalmente, uma mais clara definição de si mesma”. Pôde verificar este bom resultado ao promulgar a Constituição. O mistério da Igreja, concretizado no Povo de Deus, punha a nova eclesiologia como centro inspirador e orientador de todo o Vaticano II. Quem estudou, em seminários ou universidades, antes do Concílio, dá bem pela diferença e pelo alcance pastoral da mesma.
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